Resumo comentado: nove mitos sobre o trabalho #3
Olá!
Este texto faz parte de uma série. Você encontra os textos anteriores nos links abaixo:
Mito #1: Pessoas se importam com a empresa onde trabalham.
Mito #2: O melhor plano sempre vence
Mito #3: As melhores empresas estabelecem metas em cascata
O assunto metas dentro do mundo corporativo é antigo e já teve vários nomes ao longo do tempo. Uma das mais antigas que se tem notícia é a administração por objetivos (do Drucker, sempre ele) de 1954, o acrônimo S.M.A.R.T (1981), KPI (1990), BHAG de 1994 e o que talvez seja a mais recente reciclagem da mesma ideia: OKR. Apesar de parecer inovador, a ideia original dos OKRs remonta a 1970, originando-se na administração da Intel. No entanto, foi em 1983, no livro High Output Management (Gestão de Alta Performance, em português), que o conceito se popularizou.
No livro, é mencionado que algumas empresas (como a Accenture) gastam cerca de 1 Bilhão de Dólares por ano em metas. Se esse investimento é significativo, os benefícios devem ser extraordinários, certo?
Veremos mais adiante que não é bem assim.
As razões apresentadas pela obra que justificam o uso de mecanismos de metas em cascata incluem:
Estimular e coordenar o desempenho
O pesadelo de todo conselho de administração e seus executivos é desperdiçar dinheiro alocando recursos (seja tempo ou pessoas) em iniciativas que não darão em nada ou que não estão alinhadas ao plano estratégico da companhia. Em teoria, se todos têm um objetivo comum traçado pelos executivos (que são as pessoas que supostamente sabem onde a empresa deve ir), essa ação coordenada deveria acontecer.
Acompanhamento do percentual atingido
Ao quebrar grandes metas em metas menores e distribuir a responsabilidade pelo percentual entre os departamentos, a expectativa é acompanhar o progresso necessário. No entanto, veremos que isso não ocorre como esperado, pois metas são binárias (mais um pouco sobre isso daqui a pouco).
Dados valiosos sobre o progresso
Esses dados podem ser utilizados para diversas decisões, seja para descontinuar projetos ou até mesmo, avaliar o desempenho das pessoas. O grande problema desse tipo de esforço em metas é que ele apresenta algumas limitações.
O trabalho em si é realizado pelas pessoas na linha de frente, não pelos executivos. Logo, é muito fácil para as pessoas no 40º andar de um edifício comercial estarem distantes do que ocorre no chão da fábrica (ou nas squads, se preferir). Isso gera, na prática, esforços em atividades aleatórias, o que não é o pretendido. Isso ocorre porque quem idealiza e quem realiza têm visões muito diferentes sobre o que é importante ou necessário ser feito.
Além disso, a cereja do bolo do argumento do livro é algo que eu aprecio: Não há comprovação científica ALGUMA de que metas elaboradas por executivos estimulem a produtividade.
Vamos a dois exemplos propostos na obra de como o uso de metas em cascata gera o efeito oposto do pretendido. Esses exemplos são ótimas amostras de sistemas de incentivos perversos, inclusive. Assunto no qual eu já abordei anteriormente aqui.
O primeiro exemplo envolve uma equipe de vendas. Ao estabelecer metas de vendas por ano, por exemplo, os melhores vendedores podem atingir a meta antes de todos, adiando o fechamento de novos contratos para o ano que vem simplesmente porque não precisam se esforçar mais, uma vez que já alcançaram a meta. Para os vendedores medianos e ruins, esse cenário é um pesadelo, pois o não alcance da meta aumentará a pressão (que também já disse que não funciona como técnica de gestão aqui). Esse aumento na pressão gera uma espécie de clima propenso a coerção, que além de antiético e pode até mesmo, gerar atividades ilegais.
O segundo exemplo mencionado no livro é o caso real do banco norte-americano Wells Fargo. Através de uma forte pressão por venda casada (que é crime no Brasil, se você não sabia) originada de metas absurdas, gerou um clima em que tudo era válido para atingi-las. Gostaria de adicionar um comentário: Simon Sinek, no livro O Jogo Infinito, chama esse cenário de Declínio Ético. Além disso, senão ficou óbvio, a minha recomendação é que esse declínio seja combatido com todas as forças.
Esse tipo de desonestidade incentivada por metas irreais gerou 3,5 milhões de contas falsas, pois os vendedores das agências eram pressionados a atingir as metas a qualquer custo. Desnecessário dizer, foi um escândalo considerável. Mais detalhes desse caso aqui. O prejuízo total foi de 3 bilhões de dólares em multas.
Analisando esse caso a partir de uma perspectiva de pensamento sistêmico, ao meu ver, o problema se torna simples. Todo sistema tem um limite e gargalos. Se você pressiona esse limite através de coerção para superar o gargalo, as pessoas mentem, porque o incentivo é para tal, mas o gargalo ainda existe, por mais que o executivo ache que não.
Desnecessário dizer que entender que nove grávidas não fazem um bebê em um mês deveria ser óbvio para quem está nessas posições, mas o capitalismo não é racional, certo?
Existe utilidade para metas, afinal?
Bem, o argumento do livro é que elas servem para uma coisa só: previsão.
Considerando variações de 10% para cima ou para baixo nos resultados dos times, no geral, é o máximo que metas conseguem gerar — uma estimativa de atingimento de resultado em um determinado recorte de tempo.
Outra característica explorada na obra é a visão de que metas, em última instância, são binárias. Ou seja, são atingidas ou não. Não há valor ALGUM em atingir 80% da meta de vendas. Ou o número foi atingido e gerou X dinheiros ou não foi.
Conclui-se que, com base nesse argumento que o uso de metas para avaliar funcionários também é inútil. Pois a situação varia muito entre times e pessoas. O que é fácil para um time, com um conjunto de habilidades e contexto específicos, pode ser impossível para outro. Para corrigir tal distorção, seria necessário adaptar a dificuldade da meta por pessoa e por gestor. Como tal calibragem perfeita é impossível, o processo todo é inútil, por definição. Portanto, categorizar e documentar metas é trabalho desperdiçado. Impor metas, também.
Há solução para esse problema? Felizmente, o livro propõe algumas.
A solução proposta é propósito em cascata.
O que motiva as pessoas a trabalharem juntas para alcançar um objetivo específico não é algo imposto, mas sim, um alinhamento sólido com um propósito. Isso surge naturalmente e não pode ser imposto.
Afinal, é impossível forçar alguém a acreditar em algo. No entanto, se a pessoa verdadeiramente acredita em algo, a probabilidade dela se dedicar plenamente a isso é muito maior. Até aqui, logicamente, o argumento faz bastante sentido.
Os exemplos fornecidos no livro referem-se ao Facebook, à Apple e à cadeia de fast food Chick-fil-A (pronunciado “xiq filei”). De maneira geral, o Facebook emana uma atmosfera hacker, que atrai um determinado tipo de pessoa. Seja a decoração do escritório e até mesmo o endereço da empresa (1 Hacker Way, Menlo Park, CA) que passam essa mensagem.
A Apple, por sua vez, possui toda a aura de criativos que estão mudando o mundo e que estética importa muito, o que também tem seu apelo.
O restaurante, por sua vez, mantém uma cultura onde os gerentes dos restaurantes são líderes de comunidades locais.
Em todos os casos, o propósito foi transmitido adiante. Alguns podem ser repelidos por esses sinais, mas aqueles que são atraídos realmente se envolverão com isso. O conselho prático sobre como transmitir esse propósito se resume aos seguintes três pontos:
Show, don’t Tell
Essa expressão refere-se a uma técnica de escrita de roteiros na qual o roteirista demonstra algo acontecendo em vez de usar diálogo expositivo. Por exemplo, qual cena transmitiria melhor a ideia de mostrar um rei implacável:
- Uma cena em que um súdito desafia o rei e é imediatamente morto por ele.
- A mesma cena narrada por personagens que dizem que o rei é implacável com quem o desafia?
No contexto empresarial, é a mesma coisa. Valores escritos em uma parede não funcionam. Programas de diversidade liderados por pessoas cis, heterossexuais e brancas também não. Portanto, se você quer transmitir propósito, aja de acordo com ele em vez de fazer marketing. Se até os clientes percebem quando algum discurso é vazio, porque os funcionários não perceberiam?
Rituais
São aquelas pequenas ações frequentes da liderança, como interrupções, atrasos, valorização de perfis específicos, permanência após reuniões para socializar, a forma como conduzem pequenas conversas e promoções relacionadas à participação em eventos sociais, que passam uma mensagem de como as coisas são feitas.
Portanto, esteja atento às mensagens que você está transmitindo, principalmente se você envia e-mails de trabalho às 23 horas de um domingo, por exemplo. Não adianta fazer isso e falar que a empresa incentiva qualidade de vida.
Storytelling
O que a história que você está contando diz sobre você? Portanto, ter uma história convincente, baseada na realidade e que ressoe com o tipo de pessoa que você deseja atrair é a chave para disseminar o propósito.
Lembrando que tem que ser uma história REAL e não uma lorota inventada, como fez a Hollister.
A conclusão proposta deste capítulo no livro é bastante simples: as melhores empresas adotam propósito em cascata (porque as pessoas querem saber o que todos compartilham).
Eu acrescentaria que é somente por meio de nossas próprias metas, originadas do alinhamento com o propósito, que podemos encontrar satisfação e significado no trabalho.
Eu já expressei isso em diversos textos antes, mas, vale repetir: busque um ambiente onde haja congruência de propósito e cultura e que ressõe com quem você é, pois é a única maneira de se manter são no capitalismo.
Até!
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