Sobre matemática, tecnologia e a Janela de Johari

Adriano Croco
6 min readJul 17, 2024

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Olá!

Hoje, eu gostaria de abordar um conceito bacana de autoconhecimento que acredito ser útil para qualquer profissional de tecnologia.

É de conhecimento disseminado entre os profissionais da área de tecnologia que sempre precisamos estar nos atualizando o tempo todo para não ficarmos para trás na corrida da empregabilidade.

Além de aumentar a ansiedade e ocasionar alguns problemas relacionados à saúde mental das pessoas, essa dinâmica também acaba afastando muitas pessoas mais velhas da área, dado que, após um certo tempo de vida, você não tem mais paciência para aprender o novo framework da moda. Isso não deveria jogar contra, afinal, esses profissionais tem muita experiência na área e isso vale mais que o domínio de algo que está no hype.

O modelo mental que eu gostaria de abordar hoje, ao meu ver, pode ser usado para gerenciar seu próprio conhecimento e imagem externa que você exibe, o que pode ajudar reduzindo a ansiedade e aumentando a eficiência de algumas de suas ações no processo.

Esse conceito em questão é conhecido como Janela de Johari.

Criado por Joseph Luft e Harrington Ingham (o nome Johari inclusive, é a junção do primeiro nome de ambos os autores) em 1955, a ideia é um quadrante que cruza as seguintes percepções: o que é conhecido e não conhecido por você X o que é conhecido e não conhecido pelos outros em relação a você.

Em termos gráficos, temos algo parecido com isso:

A dinâmica de uso envolve preencher os quadrantes com adjetivos, cuja lista pode ser encontrada aqui se você tiver curiosidade. Vou abordar brevemente cada um dos quadrantes.

Aberta: é aquela parte do nosso eu consciente — nossas atitudes, comportamento, motivação, valores e modo de vida — da qual estamos cientes e que é conhecida pelos outros.

Oculta: aquilo que somente eu sei sobre mim mesmo, mas que não quero que outras pessoas saibam.

Ponto Cego: estes representam o que os outros percebem, mas eu não.

Desconhecido: eles representam os comportamentos ou motivações do sujeito que ninguém participante reconhece — seja porque não se aplicam ou por causa da ignorância coletiva dessas características.

Ou seja, basicamente é uma técnica para estruturar uma análise sobre auto-percepção e o impacto que você tem nas pessoas.

No meu ponto de vista, temos três cenários possíveis em se tratando do tema percepções externas vs auto-percepção:

  • Se você se acha um semideus e as pessoas não te veem assim, você se prejudica, podendo perder oportunidades e soar como arrogante. Já escrevi sobre isso aqui e aqui. Ex: não adianta querer ser sênior (ou pleno) se as pessoas não te veem assim.
  • Se você acha que é muito pior do que é e as pessoas não te veem assim, você está caindo na síndrome do impostor. O que também é ruim, porque te limita e faz perder oportunidades. Ex: não aplicar para uma vaga internacional por achar que não é bom o suficiente e que os gringos são melhores devs que os brasileiros (spoiler: não são).
  • Por fim, se você se enxerga da forma que as pessoas te veem de fato, isso se torna uma vantagem, pois é mais aderente à realidade e pode te ajudar a direcionar as suas ações de forma mais assertiva. Ex: sabendo que você causa uma percepção específica nas pessoas, você pode usar isso a seu favor na hora de tentar comunicar algo.

E como usar isso de forma prática?

Bom, para tal, eu gostaria de contar uma história pessoal.

Eu também passei pela pressão interna de preciso saber disso por ser um profissional de tecnologia com dois tópicos: matemática e aqueles famosos detalhes específicos de determinada tecnologia que eu estava trabalhando no momento (os famosos macetes). Eu troquei de tecnologia algumas vezes nos últimos cinco anos, só para contextualizar.

Em ambos os casos, embora eu sentisse que esses conhecimentos estivessem na área cega da Janela, na verdade, estavam no quadrante desconhecido. E o que eu quero dizer com isso? Bom, que as pessoas não se importavam tanto assim que eu não sabia alguns conceitos mais avançados de cálculo e estatística ou até mesmo como funcionam todos os tipos do garbage collector do Java.

Mas, ainda assim, eu fui fazer aulas de matemática. Depois dos 30 anos de idade, inclusive. Eu paguei professor particular e tudo mais. E propus o seguinte: me ensine desde o ensino fundamental até matemática de nível superior, eu não tenho pressa e não tenho paciência para exercícios repetitivos.

Depois de mais de um ano com aulas semanais, eu me dei conta do seguinte: que eu era melhor no assunto do que imaginava, que não era nada de outro mundo e que, no final das contas — como todo aluno da rede pública de ensino do Brasil — eu saí da educação pública com lacunas no meu conhecimento. Colocando esse tijolo no alicerce de conhecimentos que eu tinha, a percepção de que a matemática era impossível para mim se foi.

A título de curiosidade, eu não sabia direito como trabalhar com frações, o que é pré-requisito para aprender cálculo e estatística com facilidade.

Ou seja, eu consegui trabalhar esse sentimento de inadequação e trazer para a área aberta da janela. Portanto, hoje, eu que escolho o que quero me aprofundar, ao invés de ter medo de matemática ou algo similar.

O que me leva ao ponto mais prático para quem é de tecnologia.

Depois de um tempo de experiência dentro da área, minha percepção hoje é que o maior desafio em comum para todos os profissionais da área (independentemente de qual área, seja QA, SRE, Front, etc.), é o quadrante cego da Janela de Johari, mas aplicado ao trabalho e comportamento. Ou seja, se você sabe o que não sabe, você vai atrás e aprende. Se você já sabe resolver, resolve. Se você não sabe nem o que precisa saber para resolver o problema mas as outras pessoas sabem, aí sim temos um grande problema.

Eu vejo essa limitação acontecer em vários cenários, desde Devs com excesso de confiança mas que não sobrevivem em entrevistas técnicas mais profundas e que abordam tópicos fundamentais, mas também, eu vejo isso acontecer com gestores com limitações comportamentais óbvias para todos (menos para si) e que fazem a vida do seu time um inferno.

Como organizações são compostas de pessoas, essa dinâmica se aplica a empresas também. Se os executivos possuem essa cegueira em relação ao próprio negócio ou ao seu comportamento em si, gera o seguinte cenário: a empresa está indo mal, todo mundo sabe que é por causa de decisões erradas ou incompetência de um ou mais C-Levels (ou até mesmo do CEO), mas eles não largam o osso porque não enxergam ou aceitam que são o problema, insistem no erro e a empresa piora ainda mais. Se fosse só a empresa que perdesse dinheiro, tudo bem. O problema é que layoffs, burnouts e interrupções de sonhos acontecem no processo. Pessoas passando por dificuldades financeiras por perderem o emprego por causa da decisão de pessoas desconectadas da realidade do negócio ou incompetentes é uma das maiores contradições e injustiças do capitalismo.

Antes que você venha contra-argumentar com teoria do agente, conselhos de administração e empresas listadas na bolsa como mecanismos de regulação, lembre-se que a Americanas tinha tudo isso e deu no que deu.

Então, sendo sincero? Somente o mercado não resolve esse problema direito. Mas enfim, divago novamente.

Para finalizar, minha recomendação para você é a seguinte:

Por mais que você seja afetado(a) por decisões ruins de quem não tem o auto-conhecimento necessário para exercer uma determinada função, a única coisa que você tem controle são sobre as suas próprias ações. Portanto, busque encontrar os seus pontos cegos, porque é a única coisa que você tem controle.

Espero que esse texto tenha sido útil para você de alguma forma.

Até!

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