Precisamos falar sobre etarismo na tecnologia

Adriano Croco
5 min readAug 19, 2021

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Olá!

Hoje eu gostaria de abordar um assunto que me incomoda bastante, a ponto de ter repensado minha carreira inteira por causa disso. Podemos usar vários termos para se referir a essa problema, seja idadismo (ou ageism, em inglês), etarismo, mas, eu prefiro usar o termo que reflete melhor a realidade: preconceito devido a idade.

É um problema que você deveria se preocupar, independente de qual seja sua área de atuação. Porém, no caso de tecnologia, eu acho que é um problema um pouco pior.

Vamos começar falando de dados. Tive uma supresa infeliz ao ver o seguinte padrão gráfico nos dados do IBGE e que me deu a ideia desse texto:

Projeção da população brasileira até 2060 segundo dados do IBGE

Ou seja, em um pouco mais de uma década, além de não sabermos se o nosso planeta vai estar habitável (por causa do aquecimento global), teremos uma nova dinâmica em se tratando de idade aqui no Brasil: haverão mais idosos do que jovens vivos.

Vamos parar e pensar um momento no que isso implica. Eu não vou entrar em detalhes como déficit da previdência, FGTS ou algo similar, pois não é minha área de expertise, porém, pense o seguinte: você que está lendo esse texto, vai, sem sombra de dúvidas, envelhecer e fazer parte desse grupo (e morrer em algum momento também). Acho que sempre vale lembrar do memento mori algumas vezes para nos manter no eixo.

Além dessa situação inevitável, muitos de nós não terão atingido o sonho capitalista da independência financeira e terão que continuar trabalhando, mesmo após os 40, 50 ou 60 anos.

Aqui vale um wake-up call: é por achar que com você "será diferente" que muitas vezes nos negamos a aceitar as dificuldades de outras pessoas e fechamos nossos olhos para alguns problemas até que aconteça com a gente o mesmo problema que ignoramos. Portanto, a mensagem que fica é: você não é especial e está sujeito aos mesmos problemas que todas as outras pessoas, por mais que você ache que não.

Então temos a seguinte situação: dado as probabilidades, você vai ter que trabalhar até os 60 anos (ou mais), por mais que você não goste ou tenha outros planos.

Na língua japonesa, o termo para professor é Sensei. Seja um professor de artes marciais, biologia ou qualquer outro assunto, recebe esse título. Porém, o verdadeiro significado desse termo esconde uma sabedoria peculiar: em português, ficaria algo como "aquele que veio antes". Portanto, se essa pessoa veio antes em algo, o mínimo que você tem que fazer é ouvi-la e respeitá-la por sua bagagem.

Com isso dito, a pergunta que eu faço agora é: porque achamos que profissionais 50+ ou 60+ não são capazes e são discriminados de forma velada (ou explícita mesmo) em processos seletivos? E digo mais: porque essas pessoas são discriminadas pela idade justamente por quem vai estar na mesma situação em alguns anos? Em alguns casos, se o perfil não é o padrão startupeiro com menos de 30 anos, não serve.

A economia é prateada: o público dessa idade é responsável por um poder econômico imenso!

Porque as pessoas acham que profissionais com um pouco mais de bagagem não podem aprender o mundo digital? Usar bancos digitais? Ser TikToker ou algo parecido?

As pesquisas mostram que algumas dessas pessoas gostam de tecnologia, porém, por terem entrado em contato com isso mais tarde na vida, tem certo receio de usar tecnologia. Você também não tem medo do que você não conhece? É o mesmo problema aqui.

Eu até entendo um profissional fora da área de tecnologia ter medo de sistemas e eletrônicos por falta de conhecimento ou familiaridade, porém ainda vejo preconceito na contratação de profissionais mais velhos para cadeiras de pessoa desenvolvedora, sendo que, se a pessoa trabalhou com tecnologia por 20+ anos, ela com certeza, manja mais do que eu e você.

Vou ilustrar isso com uma história que eu presenciei:

Certa vez, o time discutia sobre o padrão saga em um contexto de microservices e uma profissional 50+ parecia não conhecer o termo. Quando eu comentei o seguinte: Fulana, isso daí nada mais é que o termo da moda para transações distribuídas no contexto de microservices. Isso fez o "click" na cabeça dela de uma forma que ela acabou me ensinando bastante sobre cenários de transações distribuídas complexos (tópico no qual ela dominava, porém, só não conhecia o termo modernoso para o assunto).

Moral da história: se a pessoa tem mais tempo de carreira do que você tem de vida (que era o caso), você para e ouve. Aqui, eu falo como gestor: esse tipo de profissional deveria ser atraído e não repelido, pois a experiência que possuem compensa qualquer curva de aprendizado em se tratando de uso de novas tecnologias que ela possa passar. Qualquer pessoa desenvolvedora pega uma nova linguagem em poucos meses, porém, o conhecimento de tópicos complexos de concorrência ou otimização em banco de dados não é algo trivial de encontrar nas pessoas que estão trabalhando hoje.

A capacidade de se reinventar ou experimentar coisas novas não é somente uma característica de alguém muito jovem e diz mais respeito ao jeito de pensar da pessoa do que qualquer outra coisa. A pessoas assim, alguns dão o nome de perennials. Ou em termos mais clássicos: pessoas de mente aberta.

Se a pessoa tem a flexibilidade necessária e uma experiência abrangente, no final, porque a idade é tratada como algo ruim ao invés de algo desejável, até se tratando de diversidade do time?

Para finalizar: eu mudei meu plano de carreira (para gestão) pois senti que estava acabando minhas oportunidades técnicas por causa da idade que estava aumentando. Portanto, agora que eu atuo como gestor, é minha responsabilidade lutar para que outras pessoas não tenham esse mesmo problema e que tenham a oportunidade de continuarem atuando como pessoas desenvolvedoras, se assim o quiserem.

Espero que após você ler esse texto, você dê uma chance a uma pessoa desenvolvedora 40, 50 ou 60+ da próxima vez.

Todos merecem uma oportunidade, não somente quem tem menos de 35 anos.

Até!

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