Vagas em tecnologia: dicas para evitar armadilhas e escolher melhor

Adriano Croco
12 min readAug 13, 2024

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Olá!

Este texto é um compilado de técnicas e dicas para que você, pessoa desenvolvedora, consiga escolher melhor os lugares nos quais trabalhar.

O segredo está em encontrar os sinais de armadilha e agir antes deles cobrarem seu preço.

Com isso dito, vale um pequeno disclaimer: eu sei que existem exceções. Mas na grande maioria das vezes, a exceção confirma a regra. Então, se você acha que as minhas considerações sobre alguns mercados estão erradas, você é livre para escolher trabalhar nesses lugares e passar pela experiência você mesmo.

Vamos começar por um ponto que acho crucial. Eu realmente espero que após ler este artigo, você consiga escolher melhor. Se todo trabalhador se recusasse a trabalhar em lugares assim, eu realmente acho que o mercado de tecnologia seria mais saudável de uma maneira geral. Infelizmente, não temos escolha no capitalismo, mas, a gente tenta né?

Modos de operação

Essa ideia de classificação é do livro Architect Elevator, do Gregor Hohpe. Essa obra contém conselhos práticos de como ser um arquiteto de software que consegue ir do chão de fábrica até a cobertura do prédio (dai o termo elevador no nome da obra). Assunto que já abordei aqui em mais detalhes.

A classificação proposta pela obra tem 4 tipos (centro de custo, ativo, parceiro e estratégico). Basicamente, são formas de como a tecnologia é vista pela empresa:

Os 4 tipos de modos de operação da tecnologia nas empresas

E porque isso importa? Bom, em seu processo de decisão na hora de escolher um lugar para se trabalhar, é interessante entender algumas dinâmicas de poder envolvidas na organização para evitar surpresas desagradáveis. Além disso, modelos mentais costumam funcionar para analisar cenários de incerteza (que é o caso de uma entrevista de emprego).

Centro de custo: a tecnologia não sendo importante

Imagine que você é um dev que quer fazer testes de unidade ou refatorar algum componente de código. Se a área de tecnologia na sua empresa opera nesse modo orientado a custo, você irá enfrentar uma resistência grande para aplicar melhorias técnicas. Simplesmente porque não irão deixar. Porque as pessoas não vêem valor em código em culturas assim.

Você pode se perguntar: mas o que uma coisa tem a ver com a outra?

Familiar?

Bom, tudo. Se quem manda acha TI um problema, então a área toda será vista como um problema. Se o diretor da área não é técnico e sim um financista, então a área será visto como um problema de finanças. Esqueça a valorização profissional, o esmero técnico, os salários altos e os computadores com hardware bom.

Em praticamente todas as empresas, as pessoas operam com um sistema de incentivos. Basicamente, é uma dinâmica de punição e recompensa por certas ações, baseadas em um conjunto de crenças dos fundadores (também chamada de cultura).

O incentivo de um CFO, por exemplo, é reduzir custo, tomar boas decisões de alocação e manter os dinheiro da empresa sob controle. Me diga sinceramente: você acha que um CFO vai aprovar um hackathon com custo adicional de coffe break e horas extras para fazer melhorias em sistemas que não são garantidas que irão funcionar? Ou acha que vai patrocinar algum tipo de cursos de atualização para todos os devs? Ou que vai aceitar comprar Macbooks para todo o time de front/mobile, pois a experiência de desenvolvimento é melhor nessa plataforma para esse público?

A resposta é simplesmente não para todas as perguntas.

E se você não se deu conta sozinho, eu reforço: você — contribuidor individual — não vai mudar nada. Apenas 6% do resultado de uma empresa se deve a ações individuais, fonte? Aqui. Ou seja, não adiante nem bancar o herói, pois você ficará doente no processo e não causará tanto impacto assim.

Em empresas assim, as pessoas nas camadas de tomada de decisão não possuem o entendimento necessário sobre o que é tecnologia o suficiente sequer para decidir o que é importante, quiçá ditar os rumos de uma área tão estratégica quanto tech.

Portanto, se você trabalha em uma empresa assim, meu conselho é simples: troque de emprego. Eu não gosto de ser fatalista, mas, nesse caso não há solução. Além disso, se torne um profissional tão bom que simplesmente não vai precisar trabalhar em lugares assim.

Tipos de empresas que costumam operar assim: indústrias, saúde, seguros, bancos tradicionais, varejo tradicional e qualquer tipo de empresa que se ouça o a seguinte réplica quando alguém diz que se precisa investir em tecnologia: não somos uma empresa de tecnologia, somos um <insira qualquer outra coisa aqui>.

Detalhe: toda empresa é uma empresa de tecnologia, mesmo que não entenda isso. Infelizmente, as empresas quebram, mas não se digitalizam corretamente, não importa o quanto de tradição tenham (ex: Casas Bahia, Marisa).

Ativo: a tecnologia como área geradora de receita

No segundo modo de operação, a ideia é que a tecnologia seja vista como uma área geradora de receita e que os custos sejam divididos entre as várias áreas que irão usufruir de um determinado projeto tecnológico.

Portanto, a TI é vista como uma área geradora de receita de certa forma (o que torna esse modo um pouco melhor que o anterior, porém AINDA ruim).

Nesse cenário, é comuns discussões intermináveis sobre priorização de projetos e brigas orçamentárias entre áreas. Mesmo assim, o profissional de tecnologia não é valorizado aqui e é alocado em vários projetos simultaneamente, para “gerar a maior quantidade possível de valor por cabeça”.

Embora pareça uma ideia simples, em organizações assim, foco não é considerado uma ideia válida

Portanto, se no modelo anterior ainda usam Windows XP, redes Novell ou Delphi, nesse modelo, espere trabalhar em múltiplos projetos simultaneamente ou algo similar. Você não será respeitado(a) e provavelmente terá uma carga de trabalho desumana. Já presenciei 14 horas de trabalho todos os dias em empresas com essa cultura. E o pior? as pessoas que faziam isso, achavam legal e que iriam ser promovidas em breve. São geralmente jovens deslumbrados por algum tipo de glamour relacionado àquela empresa. Mas o problema é que glamour não paga contas e nem respeita a sua saúde mental.

A dinâmica de poder nesse modo de operação está no diretor operacional (também chamado de Chief Operating Officer). Ou seja, a pessoa que deve “manter as coisas funcionando”. Em lugares assim, espere ver pessoas sendo punidas com demissão por erros em produção, por exemplo. Por mais que seja óbvio dizer que cada minuto de sistema parado é prejuízo e tudo mais, a literatura de engenharia de software já mostrou qual é a solução para melhorar disponibilidade de sistemas (citando somente os mais óbvios: DORA metrics e práticas de DevOps). O problema é que como quem decide o rumo da TI não é técnico, isso não é sequer considerado.

Novamente, você, pessoa desenvolvedora, não será ouvida. Será alocada em algo extenuante e quando cometer um erro (trabalhando nesse ritmo, é uma questão de quando isso e não de SE isso irá ocorrer), será demitida sumariamente.

Mercados que costumam operar assim: mercado financeiro (corretoras e bancos de investimentos) de uma maneira geral.

Parceira: onde a transformação digital acontece

É aqui que as coisas começam a melhorar, mas ainda sim, estão longe do ideal.

Nos modelos anteriores, geralmente a tecnologia é delegada para consultorias e similares. Aqui, ocorre uma conscientização da importância da digitalização e ocorre um falso sinal de valorização dos profissionais.

São empresas que estão nesse modo que começam a contratar agilistas, criar “células de inovação” e similares. Além disso, é na ânsia de digitalização que muitas vezes até ocorrem internalização em massa de consultores.

O problema desse modo é o choque cultural. Quem foi contratado no modelo antigo, não está atualizado o suficiente para trabalhar com agilidade e muitas vezes, não quer aprender. Quem veio do mercado com o pensamento de nativo digital, encontra muitos bloqueios e burocracias desnecessárias, o que faz essa pessoa desanimar e sair.

Aqui, eu tenho dois pontos: é por esse tipo de situação de transformação digital que existe a disciplina da administração chamada gestão de mudanças. Isso é estudado a sério, porque mudar organizações é um trabalho muito dificil e quem conseguir, ganhará muito dinheiro vendendo consultoria. Segundo, como ninguém que veio do mercado com experiência em digital fica tempo o suficiente nesse tipo de empresas para causar mudanças, a percepção que fica para quem trabalha nesse tipo de ambiente é que muda tudo para não mudar nada a cada ano.

Como já dizia Peter Drucker: a cultura come a estratégia no café da manhã. Essa resistência cultural é uma das maiores barreiras para qualquer transformação digital, mesmo quando liderada por diretores experientes, e pode fazer qualquer tentativa de mudança parecer inútil.

Se você conseguiu uma vaga dessa e está trabalhando na célula de inovação desse tipo de empresa, provavelmente, não achará tão ruim. Mas espere conflitos significativos toda vez que precisar interagir com o “legado” que opera com a cultura anterior.

Se tem tirinha sobre, é porque acontece na vida real

Empresas que operam assim: empresas que se deram conta que precisam se modernizar, basicamente. Além de alguns varejistas e indústrias (como cosméticos). Para você sair ileso dos problemas, vai depender muito da estratégia de tecnologia dessas empresas e do quanto empoderado o time de tecnologia será no processo. Ou seja, do quanto se importam com a visão de quem é de tecnologia.

Habilitadora: tecnologia sendo o negócio

É aqui e somente aqui que o profissional de tecnologia consegue trabalhar corretamente e ser valorizada no processo.

Lembrando que eu não estou escrevendo da perspectiva da empresa ou do RH, por mais que o discurso de algum lugares de nível de maturidade baixo em tech tentem te convencer do contrário com promessas falsas, somente lugares de maturidade alta em tecnologia que de fato valorizam o profissional, com altos salários, desafios interessantes e o mais importante, respeito e valorização pela contribuição individual de cada um.

Nesse modo de operação, as dinâmicas de poder são favoráveis ao time de Tech. Ou seja, situações de qualquer outro time gritando mais alto e forçando a submissão do time de tecnologia ocorrem com menos frequência.

Como a tecnologia é vista como estratégica, a maioria dos projetos e iniciativas tem características de enabler. Isso significa que os profissionais podem usar tecnologia de forma mais adequada e pensada para o futuro. Portanto, refactors significativos e grandes melhorias de código são mais aceitas do que em outros lugares. Em muitos casos, dado que o espaço para o time pensar em soluções melhores é fornecido na versão inicial dos sistemas, a quantidade de divida técnica cai bastante. Segundos estudos recentes, 80% das pessoas desenvolvedoras estão infelizes em seus trabalhos, justamente tendo dívida técnica como a principal causa (62,8%).

É esse o sentimento que um time valorizado tem: ele percebe os problemas

Além disso, em modelos assim, há incentivo real em construir plataformas, fazer testes de unidade, automações de QA, boas esteiras de DevOps, investimento em segurança e demais tópicos que melhoram a DevExperience de uma maneira geral.

Empresas que costumam trabalhar assim: somente alguns tipos de startups e empresas com um CTO protagonista e que é de fato técnico e estratégico ao mesmo tempo.

Como saber em qual cenário a empresa está?

É nessa parte que as coisas começam a ficar dificeis. Eu costumo dizer que perguntar para alguém de uma empresa como é a cultura de lá, é a mesma coisa que para perguntar para um peixe o que é água.

As pessoas não percebem, mas o ambiente influencia o comportamento delas mais do que elas gostariam de admitir. Portanto, por mais que alguém diga que uma empresa é de um determinado jeito em uma entrevista para te convencer a ir trabalhar lá, é somente trabalhando lá que você poderá comprovar isso de fato.

Portanto, atente-se ao que as pessoas fazem e não ao que dizem. Vou contar algumas contradições reais que já presenciei, com isso, espero que te ajude a montar seu próprio kit de detecção de furadas:

  • RH diz ser humano, mas atrasa sem avisar ou não liga câmera na entrevista. Ou seja, não tem consideração na prática.
  • Hiring Manager diz que o dress code é casual, mas te entrevista de terno.
  • Na descrição da vaga e no discurso há menções por equilibrio entre vida e trabalho, porém, a recrutadora ou o gestor da vaga manda mensagens fora do horário de trabalho ou quer marcar entrevistas de fim de semana.
  • A formação de gestores de tecnologia é somente focada no técnico na maioria dos casos. Se a pessoa que te entrevistou pareceu rude ou sem jeito para pessoas, é porque ela é.
  • Eu não acredito em “dias ruins” no recrutamento. Se a pessoa entrevistadora não está bem para falar naquele dia, deve remarcar a entrevista para outro momento. Isso não é problema do candidato.
  • Imagine que você tenha algum problema, como um falecimento de um familiar ou uma doença que te impeça de ir trabalhar por alguns dias, como seria a reação do seu gestor direto? Se você não sentiu um certo apoio, não aceite trabalhar com ele.

Caso você queira usar algum tipo de análise estruturada para entender a cultura da empresa como um todo, recomendo esse artigo anterior sobre o Competing Values Framework.

Na maioria dos casos, a descoberta de como as coisas são será através dos sinais. Portanto, se alguma coisa que ocorreu durante o processo não te fez pensar que é um “sim, com certeza” para aquela cultura, recomendo que não vá. Passei anos estagnado na minha carreira por aceitar lugares com os quais eu não estava 100% alinhado. O motivo disso é simples: promoções só acontecem quando há aderência a cultura.

Por fim, consulte a experiência de outras pessoas em plataformas como o Glassdoor. Se aconteceu com outras pessoas, vai acontecer com você. A maioria dos jovens que eu mentoro topam furadas porque não tem repertório profissional e acham que não podem escolher. Eu entendo a crueldade da lógica do “sem dinheiro, logo, sem comida e aluguel”. Porém, informação serve justamente para fazer escolhas melhores. Por isso eu escrevi esse texto.

Você não precisa estar apto a trabalhar em várias empresas diferentes. Você irá prosperar muito mais quando encontrar algum lugar adequado para você.

O que me leva ao próximo ponto.

O que você, de fato, quer?

Por melhor que o seu gestor seja, você é a pessoa que mais deveria se importar com a sua própria carreira. Eu sei que é assustador decidir e se comprometer com uma escolha. Isso é um problema conhecido e estudado pelo nome de paralisia por análise, inclusive. Em um mundo moderno, onde temos opções demais, as pessoas simplesmente não conseguem se decidir.

Mas, se a opinião de um estranho escrevendo um texto na internet serve de algo, reflita sobre o seguinte: não existe um único caminho. O seu caminho não é igual ao de outras pessoas. E acima de tudo, você não “deveria” estar fazendo X ou Y. O que você está fazendo hoje é onde você deveria estar.

Embora eu nunca fizesse certas coisas, há pessoas que são muito felizes exatamente por fazê-las. E tá tudo bem. Ninguém está errado, cada um deve buscar o que a faz feliz.

<frase clichê para reforçar a ideia>, mas acho que você entendeu a ideia

Para sair um pouco do abstrato, sugiro o seguinte: faça perguntas relacionadas ao que você busca. Se você busca autonomia, peça um caso prático para o gestor direto da vaga de quando um membro do time conseguiu decidir o melhor caminho sozinho. Se você está afim de desafios técnicos, pergunte sobre os problemas de arquitetura ou escala que o time está enfrentando no momento. Se você já passou por relacionamentos ruins com áreas de negócio, pergunte como que funciona a definição das tarefas e a priorização.

Com o tempo você pega traquejo e consegue fazer perguntas mais assertivas.

Por fim, se você não se identificou com as classificações que eu fiz, talvez você não se incomode com os pontos que eu trouxe. Agora, se você se identifica com o que eu também achei importante, talvez valha ler esse texto mais algumas vezes até internalizar as técnicas que eu comentei e usá-las no dia-a-dia.

Espero que te ajude a escolher melhor e errar menos, como sempre.

TL;DR

  • Evite empresas que o profissional de tecnologia não será valorizado;
  • Considere cada pequeno sinal como válido na entrevista e em interações com as pessoas daquela cultura, não existe “casos isolados”;
  • Se conheça o suficiente para saber o que você, de fato, quer;
  • Após saber o que se quer, faça perguntas de sondagem para entender se a vaga faz sentido para você.

Espero que esse texto seja útil para você de alguma forma.

Até!

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Adriano Croco
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