Tecnologia: precisamos de menos futuristas e mais historiadores

Adriano Croco
6 min readMar 6, 2024

Olá!

Hoje, eu gostaria de abordar a área de tecnologia sob uma perspectiva mais voltada para o passado.

Se você começou a trabalhar com tecnologia há pouco tempo (menos de 10 anos, por exemplo), provavelmente não experimentou um ciclo macro de tecnologia de ponta a ponta.

Explico.

No início dos anos 2000, a bolha da internet estourou, e o mercado entrou em frenesi com os investimentos em empresas de internet, o que acarretou o típico comportamento de corrida do ouro: todo mundo indo atrás do mesmo objetivo de forma irracional. Desnecessário dizer o que aconteceu no mercado de tecnologia, certo?

Adiantando o relógio para 8 anos depois, no qual ocorreu a bolha do sub-prime, também conhecida como crise de 2008. Essa, por sua vez, teve um impacto global e não somente nas empresas de tecnologia.

Dá uma adiantada mais alguns anos para frente, temos agora o que é chamado de inverno das startups, assunto que já abordei em detalhes aqui, se você quiser entender os motivos da crise atual.

Qual a moral da história aqui? Bem, o fator cíclico da coisa toda.

Essas crises vem e vão. Pessoas desenvolvedoras não ficaram obsoletas e pelo menos em um futuro próximo, acredito que não irão. Mesmo que você tenha algum receio que inteligência artificial vai roubar seu emprego, eu entendo seu medo, mas acho isso improvável.

Se você é um profissional que está com dificuldade de se recolocar no momento que escrevo isso (março de 2024), saiba que a crise vai passar. As outras passaram, essa também passará.

Em algum momento, o mercado vai se estabilizar e a demanda para programadores e profissionais relacionados tenderá a melhorar. Perceba que eu disse melhorar, não voltar aos parâmetros de que estavam antes. A pandemia causou uma distorção exagerada mesmo.

Essa melhora foi o que aconteceu depois de 2000, 2008 e irá acontecer agora. Sabe como eu sei disso? Eu perguntei para quem viveu essas épocas (eu entrei na área em 2011). Ou seja, alguns historiadores, por assim dizer.

Eu não sei quando essa crise atual vai acabar, o máximo que eu posso dizer é para ficar de olho nos sinais de como bolhas se comportaram no passado. Geralmente, elas tem o seguinte comportamento, usando como exemplo a crise da bolsa de valores de 1929:

Gráfico do índice Dow Jones em 1929

Perceba que por volta de Outubro, houve uma pequena subida no mercado, antes de cair ainda mais, até atingir o fundo do poço. É um período de falsa esperança típicos de quedas abruptas.

Então a pergunta que importa atualmente é: o quanto longe estamos do fundo do poço? Se já chegamos nele, ótimo, porque a tendência é voltar a subir. Caso contrário, mantenha o modo de sobrevivência ligado ainda, porque as coisas ainda irão ficar ruins por um tempo.

Vamos olhar dados atuais. Usando de exemplo da quantidade de pessoas que foram demitidas nos últimos layoffs, considerando o mercado global:

fonte

Qual o ponto aqui?

Olhando por esses números, não é possível saber se estamos no fundo do poço ainda. Dá para chutar uma melhora em 2024? Talvez, mas não é possível afirmar que o pior já passou.

O motivo de eu ter dito tudo isso é que devido a natureza “forward only” da área de tech, a gente foca muito em olhar pra frente o tempo todo e acaba sofrendo sem necessidade. Não adianta só querer ficar implementando novas tecnologias sendo que as empresas estão buscando sobreviver a crise e a serem mais eficientes.

Tenha isso em mente ao procurar emprego.

Para não ficar tão abstrato, vou citar apenas algumas exemplos de anomalias que ocorrem em tech que ao meu ver, são efeitos colaterais dessa mania de esquecer o passado:

Senior de 2 anos: acontece quando uma pessoa desenvolvedora aprende a fazer o básico do trabalho, geralmente uma proficiência em fazer CRUD ou algo similar e acha que já é Senior, exigindo um salário equivalente. Ou seja, é uma mentalidade de querer crescer rápido a qualquer custo e não se comparar adequadamente ao que as empresas esperam.

Not Invented Here Syndrome: a síndrome que algumas empresas tem de considerar que se não foi inventado aqui, não serve. Isso acaba acarretando em muita energia, tempo e dinheiro gastos refazendo software que já estão prontos, basta usar. Sério, olhe para o mercado e para o open-source antes de escrever algo. Nenhuma panda vai morrer se você usar coisa pronta ao invés de fazer internamente.

Quem nunca viu um gestor agir assim?

Reescrita a cada 3 anos: permaneça em uma empresa tempo o suficiente e você verá um software nascer, crescer e ficar largado as moscas. Após um tempo sem ninguém dando manutenção, irá surgir alguém para querer reescrever. Embora o argumento faça sentido do ponto de vista técnico, muitas vezes, não faz sentido do ponto de vista econômico. Exceto se o custo de refazer for REALMENTE menor do que o de manter. O que é raro na maioria dos casos.

O ciclo vicioso da gestão de Tech: você (geralmente um homem) entra na área e só encontra homens. Além disso, toda a sua liderança é masculina. Você cresce na carreira vendo exemplos ruins de gestão, seja por abuso, machismo ou qualquer outra incompetência similar. O que você faz quando é promovido a gestor? Imita seus antigos gestores. Esse ciclo precisa quer quebrado. Para mim, é um dos motivos que explica porque a área de tech é tão tóxica para alguns grupos. Portanto, olhe para o passado e aprenda com os erros de quem veio antes você.

Esquecimento dos fundamentos: boa parte dos algoritmos e estruturas de dados foram catalogados na década de 60, 70 e 80. Inclusive, os algoritmos tidos como novos e que revolucionaram sistemas distribuídos (como Raft) também são relativamente antigos. Nem preciso dizer de coisas clássicas como binary trees e similares.

Ausência de perfis 40+ em cargos técnicos: fique na área tempo o suficiente e você se dará conta que os primeiros 10 anos de carreira é o que você precisa passar para ser um bom profissional e saber minimamente o que fazer em termos de código. Por mais genial e precoce que você seja, existe uma carga de boas decisões que somente a experiência é capaz de fornecer. Isso não é acelerável. Porém, como a área de tech só olha para frente, esse tipo de perfil acaba sendo descartado, geralmente por etarismo. Isso se traduz em frases assim: chegou em idade X e AINDA não é gestor? bom profissional não é.

O curioso é que quando a pessoa finalmente está pronta para ser uma pessoa desenvolvedora em sua plenitude, forçam ela a fazer gestão ou ela tá cansada demais para continuar codando, por causa das idiossincracias das empresas ou incompetência de gestores.

Todos esses comportamentos advém dessa visão míope da área de tech, que só olha pra frente por vício. Não é necessário ficar surfando no hype o tempo todo. Veja a quantidade de empresas que estão abandonando microserviços porque não funcionou para elas.

Ao mesmo tempo, o outro extremo de só olhar para o passado é ruim, como usar controle de versão que não seja git, usar bancos de dados sem suporte como Sybase ou até mesmo, aplicações escritas em Delphi em 2024. E olha que eu ainda nem comentei de quem não escreve testes de unidade.

Existe um equilibrio saudável entre olhar para o passado e para o futuro. Por isso, eu acho que a área de Tech precisa de mais historiadores e cronistas do que futuristas. Já temos visionários demais. Você provavelmente é um futurista sofrendo com síndrome de impostor nesse exato momento, inclusive.

O grande problema, é que os historiadores são perseguidos e punidos justamente por enxergar a história se repetir. Espero que isso mude um dia e a área seja mais aberta a aprender com sua própria trajetória.

Até!

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