Liderança de tecnologia em 3 atos

Adriano Croco
10 min readJan 31, 2022

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Olá!

Esse artigo será uma mistura de alguns aprendizados e insights que tive até aqui sobre liderança em times de tecnologia. Caso você esteja almejando uma carreira de gestão, já atue como pessoa gestora ou simplesmente tem curiosidade de ler uma outra opinião sobre liderança de times de tecnologia… bom, espero que esse texto seja útil para você de alguma forma.

Ato 1

Eu sou acometido de uma angústia peculiar toda vez que alguém do meu time está tendo algum tipo de dificuldade com algum tipo de tecnologia. Seja em alguma tarefa relacionada a Kubernetes (e sua infinidade de arquivos YAML) ou como resolver um determinado problema de arquitetura para atender a escala necessária, por exemplo. Toda vez que alguém tem algum bloqueio em alguma tarefa, eu começo a me sentir mal por não saber todos os detalhes relacionados para poder destravar a tarefa para aquela pessoa.

Depois de alguns segundos lidando com a crise de ansiedade, eu respiro fundo e mando o meu Sabotador Hiper-Realizador[1] calar a boca e repito uma espécie de mantra: você está na cadeira de Manager, confie que essa pessoa irá conseguir realizar a tarefa e pare de se cobrar para codificar.

Spoiler: a pessoa sempre consegue entregar a tarefa e fica tudo bem no final. A pessoa sempre acaba aprendendo algo novo ou entrega com a ajuda de alguém do time.

O que eu quero dizer com isso? Bem, é simples: gestores de tecnologia não precisam codar, desde que façam um conjunto bastante específico de ações em contraparte, que irei detalhar agora.

Caso o time esteja com um deadline apertado e não há pessoas disponíveis para entregar determinadas tarefas no prazo, tanto o foco quanto o tempo do gestor devem ser investidos em alinhar expectativas com os stakeholders, bancar o famoso "Desculpe, mas não conseguiremos entregar a tempo" e contratar pessoas para reforçar o time (o que obviamente, demandará tempo desse mesmo gestor). Só um ponto aqui: experimente tentar contratar pessoas que podem escolher ganhar em qualquer moeda que não seja o real. O que acontece é que as vagas não são preenchidas rapidamente, não importa o quanto de fama boa a empresa tenha e o quanto competitivo (em reais) o salário está.

Qualquer tempo do gestor investido em código nesse cenário irá sinalizar o seguinte: não importa o quanto degradado toda a engrenagem corporativa está, podemos absorver mais demanda (então, na visão da empresa, os pontos de melhoria levantados não são importantes assim). Portanto, a dica aqui é: sua postura deve ser deixar claro que alguns problemas estruturais precisam de soluções estruturadas, ao invés de absorver todas as eventuais disfunções da empresa trabalhando mais horas. Depois não adianta reclamar que ninguém te leva a sério. Stand your ground!

Além disso tudo, tem dois outros cenários que gostaria de comentar: um gestor que executa uma tarefa de código que é fácil passa a seguinte mensagem: eu estou desperdiçando o dinheiro da companhia, pois a hora de uma pessoa desenvolvedora é mais barata que a minha para se realizar a mesma tarefa. Caso a tarefa seja desafiadora, é algo mais egoísta ainda, pois executá-la é impedir alguma pessoa do seu time de se desenvolver e se tornar um profissional mais completo.

Resumindo: você não tem direito de atrapalhar a carreira de ninguém do seu time codificando uma feature que ajudaria a pessoa a crescer profissionalmente. Além disso, seu foco como gestor tem que estar em gerenciar o sistema (resolvendo a causa dos problemas) e não micro-gerenciando tarefas (ou seja, codando).

Ato 2

Eu nunca comprei essa hierarquização comum no Brasil que algumas profissões e posições são "melhores" que outras. Como pessoas que acham que o trabalho de um profissional da construção civil é inferior ao dela. Ou de um oficial de uma instituição militar que acha que os praças são "peões". Ou trabalhadores de escritório que ofendem profissionais que trabalham com limpeza, também.

No mundo corporativo de colarinho branco, isso de dá mais ou menos da seguinte forma: uma tendência sutil para supervalorização da posição do gestor em relação a posição do analista.

Em alguns casos, a tendência é de puro e simples favorecimento (para o lado do gestor, obviamente) em caso de conflitos entre ambos. E pasmem: pessoas gestoras também erram, são arrogantes ou podem simplesmente não serem competentes para aquela função!

Aqui cabe mencionar o seguinte detalhe: a própria relação de confiança entre a empresa e o gestor. Aqui vale relembrar a seguinte frase: promoção é aderência a cultura de uma determinada empresa. Portanto, se alguém galgou os degraus até chegar a uma posição de liderança em um determinado lugar, é porque de poucas ou muitas formas, a pessoa tem o aval daquela organização para agir de uma determinada maneira. O que a cultura de uma empresa senão a forma de como a empresa premia um determinado comportamento ou faz vista-grossa para outros (muitas vezes, danosos e tóxicos)?

Devido a isso, ocorre toda uma passada de pano de algumas empresas em relação ao gestor, que invariavelmente gera a percepção — e até mesmo uma espécie de opressão, dado as relações de poder envolvidas entre chefe e subordinado— que o gestor é mais importante do que você.

Valor de salário nenhum deveria sequer sugerir que alguém é melhor que outra pessoa. Porém, vivemos em um sistema econômico que se chama Capitalismo, porém, poderia ser chamado de Dinheirismo que daria na mesma. Portanto, nas entrelinhas, o sistema sussurra no ouvido de alguns: ganhar mais dinheiro é ser melhor que os outros.

Porém nem tudo está perdido. Qual não foi a minha supresa a descobrir essa pesquisa aqui, que trago o resumo traduzido:

Quando um líder ascende para posições de poder em seus grupos, ele enfrenta um aumento constante de demandas. Como resultado, existe uma percepção comum que lideres lidam com maiores níveis de estresse do que não-líderes. No entanto, se líderes também experienciam um maior senso de controle — um fator psicológico conhecido por reduzir níveis de estresse. Descobrimos que, comparados com não-líderes, líderes possuem níveis menores do hormônio do estresse cortisol e relatos mais baixos de ansiedade. Em outro estudo, líderes em posições hierárquicas superiores exibem menores níveis de cortisol e ansiedade comparados a líderes de camadas hierárquicas inferiores. Esse relacionamento é explicado significativamente pelo maior senso de controle. Juntos, esses achados revelam um relacionamento claro entre liderança e stress, com o nível hierárquico sendo inversamente proporcional ao stress.

Ou seja, por mais que digam que sim, líderes não sofrem mais que seus times, dado que possuem um senso de controle maior de que os seus liderados.

O que podemos concluir disso? Simples: quem sofre mesmo é quem se vê sem chance (portanto, sem controle) de conseguir mudar alguma coisa naquele lugar. É aquele seu subordinado que já te avisou 10x sobre um determinado problema e você ignorou. É aquela analista que é assediada pelo diretor, denunciou o assédio para você, mas como ele é seu chefe você não fez nada.

Líderes são agentes de mudança. Portanto, a responsabilidade de inspirar o seu time e fazer eles se sentirem empoderados para mudar as coisas para melhor, é sua também, através do exemplo.

Se você é gestor e está querendo manter as coisas como estão, você é parte do problema. Você age assim e não acredita em mim? Eu te desafio a perguntar para o seu time o que eles realmente pensam de você. Se nem assim eles forem sinceros, talvez esteja na hora de pagar a dívida humana.

Gestão é fazer as coisas da forma certa; liderança é fazer a coisa certa.

Ato 3

Certa vez — logo quando fui promovido para o meu primeiro cargo de liderança — eu trabalhava em um local no qual tinha uma cultura que valorizavam pessoas que trabalhavam bastante e resolviam toda e qualquer bucha que aparecia. Porém, um efeito colateral de culturas assim era a fatídica presença de heróis corporativos.

Esses profissionais eram aqueles que tinham a sorte — ou azar, dependendo do ponto de vista — de ter um pouco mais de tempo de casa (apesar da alta rotatividade de profissionais), ter atuado em projetos relevantes (o que é muitos casos, pura sorte de começar a trabalhar em uma equipe com projetos importantes) e ter dificuldade em falar não.

E então eu cometi um erro: eu me tornei um herói. Eu gostava tanto da empresa e das pessoas que eu me sentia responsável por fazer aquilo acontecer. Além disso, eu tinha a seguinte rotina: acordava as 07 da manhã, me deslocava por duas horas de transporte público até chegar na empresa e não tinha hora para sair. Já teve casos de chegar em casa as 21h e ainda ter que rodar GMUDS as 23h.

Somando a carga intensa de trabalho mais todo o desgaste e falta de reconhecimento (apesar de atuar como um herói, absorvendo todas as disfunções corporativas ao invés de resolvê-las de forma estruturada), chegou em um momento que eu simplesmente… quebrei.

Eu acordei um dia para trabalhar e tive uma crise de ansiedade. Com direto a falta de ar só de pensar no caminho até o trabalho (detalhe: até então, nunca tive nada parecido), o que me fez me dar conta que algo estava errado. Meu comportamento tinha mudado também, porém, eu não aceitava e achava que as outras pessoas é que tinham mudado. Eu estava bastante impaciente e achava que somente o jeito da empresa de fazer as coisas era o certo, a ponto de ficar irritado quando pessoas próximas criticavam a forma de trabalho na qual eu estava inserido. O sofrimento para ir trabalhar era absurdo nessa época.

Então eu tentei obter ajuda de dentro da empresa. Eu não podia falar com o meu gestor direto — que tinha sido denunciado 3x na mesma SEMANA ao RH por assédio moral — pois eu não tinha muita confiança nele (por motivos óbvios). Então eu fui falar com o gestor dele, que praticamente me disse um grande fod*-se quando eu fui conversar quando tava pensando em sair por falta de reconhecimento e excesso de carga de trabalho. Desnecessário dizer que eu decidi sair depois da conversa com eles, pois como dizem os sábios: de onde não se espera nada, é de lá que não vem nada mesmo.

Após o pedido de demissão eu cometi outros dois erros: o primeiro foi aceitar ir para uma empresa que eu não acreditava no produto, apenas para fugir de onde eu estava (que eu fiquei 3 semanas e pedi demissão). O mesmo Sabotador Hiper-Realizador[2] que me fez ser promovido anteriormente, me fez cometer o segundo erro: aceitar trabalhar em um lugar que era o exato oposto a tudo que eu sou, por medo de ficar parado (detalhe: aqui foi o Sabotador Inquieto[3] agindo). Desnecessário dizer que eu fui demitido dessa, justamente por ter um perfil diferente demais do que meu gestor queria lidar.

Eu já comentei um pouco sobre diferenças culturais nas empresas e o que esperar em diferentes cenários aqui. O aprendizado aqui é: procure locais que você se identifica e que sabem (e querem) lidar com o seu perfil. Se você é gestor, saiba que: todos os perfis tem valor e podem ser bons profissionais e não somente os mais semelhantes a você que merecem oportunidades.

Agora, voltando a mensagem principal. O que eu quero dizer com tudo isso? Simples: a minha crise de ansiedade na verdade era burnout. Juntando a falta de suporte dos meus gestores na época e por não ter tratado, eu demorei quase 1 ano até voltar minha carreira nos trilhos. Por causa disso eu desenvolvi um senso de preocupação com a minha equipe que me faz enxergar toda e qualquer atividade fora do horário de trabalho por parte de quem eu lidero como uma anomalia a ser resolvida. Gerencie o sistema e não as pessoas, lembra?

O burnout é tão comum a ponto de ser considerada doença ocupacional a partir de 2022. Portanto, a sua função como líder é evitar que seu time tenha doenças ocupacionais no exercício de suas funções, certo? Então, o burnout também é problema seu a partir de agora.

A analogia que eu uso aqui é a seguinte: um mestre de obras fiscaliza o uso de equipamento de proteção individuais (EPI) em uma obra para que os trabalhadores não se machuquem. Na ânsia de fazerem as coisas de forma mais rápida, geralmente a segurança é negligenciada e praticamente queimada como combustível na realização das atividades, certo? Em times de tecnologia, o EPI contra o burnout das pessoas desenvolvedoras é o gestor.

Para não ficar só na história pessoal e de fato tentar ajudar alguém com esse texto, eu fiz uma pesquisa em alguns periódicos científicos (aqui, por exemplo) e aprendi não há um método de avaliação de burnout que tenha as seguintes características no mesmo método: seja gratuito, pensado na realidade brasileira ou de profissionais de tecnologia e que seja consenso entre os profissionais de psicologia. Se você conhece, deixa ai nos comentários. Fica ai a sugestão de como medir burnout em profissionais de tecnologia de forma confiável como tema de TCC para quem se interessar.

Porém, um dos testes válidos cientificamente é o Maslach Burnout Inventory (MBI), que possui duas variações: o Human Services Survey (HSS), que é voltado para profissionais de saúde e o Educators Survey (ES) — para profissionais da educação.

Apesar do MBI ser um pouco datado e limitado (1981), pode te ajudar a detectar se você precisa de alguma ajuda, caso tenha se identificado com o meu relato e suspeite que você esteja com burnout também. O único link que eu encontrei do MBI-HSS foi esse aqui. Apesar de não ser pensado para outras categorias de profissionais, espero que ajude de alguma forma, nem que seja como um alerta e te direcione para um tratamento de saúde mental adequado.

[1][2][3] Momento jabá: Se você não sabe, eu tenho esse curso publicado na Udemy, no qual eu condensei todo o meu conhecimento até o momento sobre soft skills. Lá eu explico os seguinte tópicos: técnicas de auto conhecimento (como DISC), o que são os sabotadores (e seus impactos no comportamento), como falar com chefes, empatia assertiva, gestão de prioridades e mais alguns assuntos importantes para crescer como profissional. É quase o meu "estilo de gestão" condensado em um curso. Se você gostou desse artigo e acha que eu posso te ajudar de alguma forma, considere dar uma olhada. Se você quer muito fazer o curso e não consegue por razões financeiras, me mande uma mensagem no meu Linkedin que a gente dá um jeito.

Muitíssimo obrigado por ter lido até aqui, é pela esperança de te ajudar de alguma forma que eu escrevo.

Até a próxima!

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Adriano Croco
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