Sobre panquecas, senioridade e tecnologia

Adriano Croco
8 min readSep 25, 2023

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Olá!

O texto de hoje é uma tentativa de colocar a carreira em tecnologia em perspectiva, espero que a reflexão seja útil para você de alguma forma, como sempre :)

Gostaria de começar traçando um panorama de uma carreira tida como comum para a maioria das pessoas desenvolvedoras. Vou comentar sobre alguns momentos chaves, baseado em uma amalgama de experiências e cenários que já me deparei ao conversar com as pessoas. O intuito é representar a carreira de todo mundo e a de ninguém em específico ao mesmo tempo.

Carreira pré-tech: seja você garçom, atendente de call-center, médico(a), engenheiro(a), trabalhador da construção civil, fotógrafo(a), acadêmico(a) ou professor de educação física, saiba que essa experiência conta muito na TI. O meu primeiro texto foi sobre multidisciplinaridade. Continuo acreditando na necessidade de possuir um amplo conhecimento para desempenhar qualquer trabalho com excelência. Portanto, sinta orgulho de todas as experiências que acumulou antes de alcançar seu tão almejado primeiro emprego na área.

O primeiro emprego: tudo é novidade. Você se depara com uma infinidade de novos conceitos e formas de se pensar. O curso que você fez (seja bootcamp ou faculdade), dizia que a área era extensa, mas o que você viu no dia-a-dia, provavel que até as pessoas que te ensinaram não conhecem um determinado conceito que você viu trabalhando. Se você foi auto-didata, provavelmente chegou até aqui por um pouco de talento e insistência com computadores. Alguns podem dizer até que foi sorte, mas ambos sabemos que não foi bem assim.

Porém, há um fator complicador a partir de agora que eu gostaria de explorar um pouco mais.

O primeiro gestor.

Eu gostaria de dizer que as possibilidades nesse ponto são como jogar uma moeda ao ar: 50% de probabilidade de você se deparar com um gestor bom. No entanto, a realidade se assemelha mais à Lei de Sturgeon, que afirmou nos anos 50 que: 90% de tudo é lixo. Além disso, o Princípio de Pareto, que já discuti anteriormente, também apoia proporções semelhantes para praticamente todas as áreas observáveis em nosso universo. Portanto, é muito provável que você tenha um gestor que não atenda às suas expectativas. Quando extrapolamos essas probabilidades para essa situação, estamos falando de apenas 10% (segundo Sturgeon) ou 20% (de acordo com Pareto) de chance de essa pessoa estar adequadamente preparada para o cargo que ocupa.

Antes de continuar, um breve comentário: Eu atuo como gestor em tecnologia faz uns 5 anos. Escrevendo sobre, desde 2020. Ainda sim, eu acho que faço parte dos 90% que não são bons. Imagine o gestor que não tem essa consciência e essa vontade de ser melhor?

Com base nessa premissa, gostaria de expressar desde já meu pesar pelo que você, caro leitor ou cara leitora, pode ter enfrentado. Se passou por situações desconfortáveis, pressão excessiva ou até mesmo abusos morais, saiba que não está sozinho(a) nessa jornada. A área de tecnologia não costuma formar gestores competentes, em grande parte devido à persistente presença do machismo e à supervalorização das habilidades técnicas em detrimento do trato adequado da carreira e da gestão de pessoas. No entanto, quero enfatizar uma coisa: não foi culpa sua. O que esse gestor pode tê-lo(a) feito passar é um reflexo da própria inaptidão dele(a) para algumas coisas. Afinal, quem orienta quem tá começando é o gestor e não é razoável achar que alguém que está começando irá ser perfeito em tudo. Portanto, perdoe-se. Acredite, isso fará bem a você.

Apesar de eu ter severas críticas ao American Way of Life, há uma sabedoria subjacente na culinária típica dos Estados Unidos, especialmente quando se trata de panquecas. Existe um ditado jocoso sobre esse prato que serve para tudo, de gestores, linguagens de programação e ideias, que é o seguinte:

The first pancake is always a throwaway.

Por favor, se você tem filhos, isso não se aplica!!!

Ou seja, a primeira vez que você tenta algo, geralmente não sai como o esperado. E isso é completamente normal. Na tecnologia, até temos termos para isso, como “versão alpha” ou algo semelhante. Geralmente, damos nomes específicos para as “primeiras versões”. Na perspectiva comum dos profissionais, é meio que esperado que as primeiras versões sejam ruins ou incompletas e está tudo bem.

Na minha opinião, a primeira experiência com algo molda a forma como você enxerga experiências semelhantes no futuro. Quem nunca viu alguém que teve uma única experiência ruim e ficou traumatizado? Situações semelhantes no futuro podem fazer com que essa pessoa evite situações que a lembrem daquela primeira experiência, o que pode impedir seu crescimento e sua capacidade de superar desafios semelhantes.

No entanto, gostaria de propor uma abordagem diferente para lidar com esses “traumas iniciais”. O que realmente importa a longo prazo (e acredito que isso se aplique tanto à carreira quanto à vida em geral) é o seu repertório.

É devido ao conjunto de experiências prévias que profissionais que sabem lidar com diversos tipos de problemas e gestores que podem liderar diferentes tipos de equipes, ao mesmo tempo em que entregam resultados, são tão valorizados pelo mercado.

Portanto, não leve sua primeira experiência ruim tão a sério. Ela é apenas uma parte do seu repertório. No meu primeiro trabalho como desenvolvedor, eu estava em duas empresas diferentes do mesmo dono (uma como suporte e outra como desenvolvedor) e enfrentei muitas dificuldades para desempenhar ambos os papéis (vale ressaltar que não tive orientação de alguém mais experiente). Eu estava sendo cobrado como se fosse um funcionário de tempo integral em ambas as funções, o que não impediu meu gestor de me chamar de burro e lerdo, por exemplo. Não é preciso dizer que isso me afetou profundamente e me motivou a ser o oposto do gestor que eu tive.

Relacionado a isso, eu gostaria de destacar um ponto importante: vejo muitas pessoas supervalorizando o sofrimento que enfrentaram no início de suas carreiras e tentando impor o mesmo sofrimento aos iniciantes. Por favor, não faça isso. Seja alguém que quebre o ciclo de abusos. Já existem pessoas demais perpetuando esse ciclo. Se você pensa: “Passei por situações tóxicas e sobrevivi, portanto, vou fazer o mesmo com os outros”, peço que considere buscar terapia. Manter o ciclo de abuso não é uma maneira saudável de lidar com traumas, ok?

Chegando a pleno: Depois de jogar a primeira panqueca fora, agora estamos no meio do caminho. Normalmente, começa a se formar uma identidade baseada na tecnologia com a qual você trabalhou até então (em alguns casos, isso continua até o nível de Staff). É por isso que algumas pessoas desenvolvedoras ficam tão irritadas quando sua linguagem de programação preferida é criticada.

Para expor o absurdo, imagine que o seu senso de identidade é baseado em saber usar um martelo. Tudo você sabe é martelar. Agora, a vida exige que você troque o martelo por uma furadeira. Isso muda quem você é? Você ainda mantém sua capacidade crítica e a habilidade de fazer o trabalho, seja com um martelo ou com uma furadeira, certo? Então, por que muitas pessoas desenvolvedoras entram em pânico ao serem confrontadas com a necessidade de mudar de linguagem?

Compreendo que isso faz parte do amadurecimento de muitos profissionais, mas a dica é: a linguagem de programação que você utiliza não define sua identidade; ela é apenas uma ferramenta e deve ser tratada como tal. Se isso ainda não o convenceu, imagine que amanhã a linguagem que você ama simplesmente deixou de existir. Todos os que a utilizavam seriam obrigados a migrar para outra. O que você faria: se adaptaria e aprenderia algo novo ou lutaria para manter uma tecnologia obsoleta?

Você é um desenvolvedor ou um especialista em frameworks? Um amador remunerado? Se você deseja ganhar mais e continuar progredindo em sua carreira, não se apegue a linguagens.

Senior: agora, você é uma referência. Pessoas menos experientes observam o seu comportamento e conhecimento técnico para orientar suas próprias decisões de carreira, goste você disso ou não. Para continuar crescendo, é necessário se envolver com problemas de maior complexidade e adquirir uma raridade útil no mercado, seja resolvendo problemas que ninguém mais consegue ou adquirindo profundidade no ninguém mais tem. Há valor em se especializar, porém, a capacidade de se adaptar a diferentes contextos geralmente te dá mais flexibilidade e opções a longo prazo.

Experimente fazer duas perguntas para os seniores que você conhece: Você deseja ganhar mais? A maioria dirá que sim. No entanto, siga com esta: Você está disposto a fazer o que for necessário para ganhar mais? Nesse ponto, muitos pensarão duas vezes. Não é necessário querer se tornar um gerente, diretor ou CTO. Nem todos têm o perfil para a gestão, e isso é perfeitamente aceitável.

Não há nada de errado em não desejar assumir mais responsabilidades ou não almejar cargos de gestão. A ideia de progresso contínuo e eterno é uma concepção capitalista e muitas vezes infrutífera, e até mesmo infantil (afinal, tudo tem limites, até mesmo o progresso). Portanto, não se preocupe se sentir que sua carreira parece estar “estagnada” por um tempo. O que importa é se você está feliz com o que está fazendo.

Aqui, a experiência começa a pesar um pouco mais, especialmente se você atingiu o nível sênior começando como Júnior/Sandy na mesma empresa. Eu compreendo as preocupações com a estabilidade que algumas pessoas podem ter, mas, na área de tecnologia, permanecer na mesma empresa por muito tempo pode ser prejudicial à sua empregabilidade, um tópico que já abordei antes. Ao ficar muito tempo em uma única empresa, você pode cair na armadilha de acreditar que tem experiência, quando na verdade não tem.

Costumo chamar essas pessoas de “seniores de uma empresa só”. É uma armadilha de falso repertório.

Entendo que a decisão de sair pode ser difícil, especialmente se você estiver na mesma empresa por muito tempo. Não posso tomar essa decisão por você, mas gostaria de compartilhar uma heurística que me ajuda em situações desse tipo: o momento ideal para deixar um lugar é quando você para de aprender. Se você chegou a esse ponto, a prioridade deve ser voltar a aprender o mais rápido possível.

Staff: Vou me abster de comentar sobre. Eu não considero minha experiência nessa cadeira como relevante para extrair algum aprendizado relevante. Porém, dizem que esse livro aqui é bem bom sobre esse assunto.

O caminho do gestor: bom, esse é o meu nonágesimo quarto texto publicado. Nos meus rascunhos, tem mais oitenta e um. Esse é um processo de que eu ainda estou aprendendo de uma maneira geral. Recomendo que você dê uma olhada lá no catálogo e escolha o tema que mais lhe interessar.

Esse tipo de atividade de escrita me obriga a pensar de maneira mais profunda sobre o assunto da gestão, requer estudo e revisão de fontes, por exemplo. No entanto, mesmo depois de quase 100 textos, ainda sinto que cometo erros na minha atuação diária que não deveria cometer.

Esse sentimento é MUITO comum

No entanto, sempre que reflito sobre isso, tento ver de forma positiva: quando acontece isso, eu aprendi algo. E assim eu sigo. Sugiro o mesmo para ti também.

Até a próxima!

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Adriano Croco
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