Pauta sugerida: como se tornar gestor(a) em tecnologia?
Olá!
Este artigo tem o propósito de sumarizar as respostas à pergunta do título, que me foi feita anteriormente, por aqui (fique a vontade para sugerir temas, se quiser). Para responder a esta questão, posso mencionar traços de comportamento específicos, embasar-me nas práticas recomendadas por uma grande empresa ou ainda considerar um conjunto de habilidades relevantes para desempenhar essa função.
Contudo, todas essas opções também podem não ser a resposta definitiva. Por isso, decidi abandonar o método tradicional e resumir alguns pontos que considero importantes, com base em minha experiência. Acredito que a mudança de comportamento pessoal, em vez de esperar passivamente, foi o que verdadeiramente me impulsionou a progredir. Portanto, eu reuni algumas ideias que que eu julguei mais importantes e que eu acredito que me fizeram conseguir algum progresso.
Espero que, ao ler sobre o meu caminho, talvez eu possa te ajudar a encontrar o seu :-)
1: Se é importante para você, é importante para mim.
A partir do momento em que alguém compartilha algo sobre sua vida, saúde mental ou qualquer outra questão valiosa para ela, ouça e torne aquilo significativo também para você. Portanto, ética e responsabilidade no trato com liderados (e sua própria liderança) são inegociáveis. Nunca faça juízo de valor do que é importante para o outro.
2: Você não tem o direito de prejudicar a carreira das pessoas.
Seja um abridor de portas ao invés de um destruidor de sonhos. Não cabe a você julgar o que as pessoas querem da carreira delas. Porque no final, ser líder não é sobre você, é sempre sobre os liderados. Ou seja, se alguém não quer ou não tem perfil para algo, não insista. Ao dar uma negativa para alguém sobre os motivos que você julga que a pessoa não esteja pronta, explique os motivos com base em fatos e não na sua própria percepção. Entender o que é alteridade me ajudou bastante neste ponto.
3: Escolha suas batalhas.
Mesmo sendo um gestor, haverá questões que só podem ser alteradas acima de sua alçada. Quanto antes você entender isso, melhor. Além disso, alguns conflitos delicados podem exigir a ajuda externa especializada para serem resolvidos. Não tente ser um herói, pois ao fazê-lo, você provavelmente prejudicará inocentes no processo.
4: 50% tecnologia, 50% pessoas.
Para ser efetivo(a), é fundamental ser ouvido(a), portanto, nunca quebre essa proporção. Continue estudando conceitos técnicos ao mesmo tempo em que aprimora suas habilidades de gestão. Nenhum time de desenvolvedores respeita genuinamente uma liderança que não consegue ajudá-los a evoluir tecnicamente. Não é necessário saber tudo e nem se envolver em todos os detalhes técnicos, mas ao menos não falar bobagens em uma discussão técnica já é algo importante. Você pode até crescer como líder não-técnico em empresas tradicionais (que geralmente enxergam tecnologia como custo, mais detalhes aqui), mas sempre haverá um limite para o que você será capaz de realizar sem ser técnico(a). Qual o mérito em ser CTO de uma empresa que não tem um desafio técnico relevante?
5: Você tem que ser o(a) maior conhecedor(a) de si mesmo. Não deixe que os outros te digam quem você é.
Autocrítica é fundamental, sem sombra de dúvidas. Porém, se alguém apontou algo em ti que você tem certeza que não é verdadeiro mesmo após ouvir e refletir, enxergue o feedback negativo como a percepção isolada (e limitada!) de uma única pessoa. Ninguém é perfeito e nunca será, porém, nem todo input externo é válido ou tem lastro na realidade. Para algo ser considerado válido, eu utilizo a regra do cavalo: se alguém te chamou de cavalo uma vez, ignore. Se duas vezes, ignore novamente. Agora, se te chamaram três vezes, vista o cabresto e aceite.
6: Se você é líder direto de uma equipe muito grande, você na prática não é líder de ninguém.
A explicação para isso é o número de Dunbar, que já abordei aqui. Portanto, apesar de receber massagem no ego ao liderar equipes muito grandes, o foco deve ser na formação (ou contratação) de sucessores para compartilhar a carga o mais rapidamente possível. É mais prudente agir dessa forma do que passar por situações constrangedoras ao dar um feedback superficial e raso por falta de acompanhamento próximo dos liderados no dia a dia. Sem acompanhamento próximo, você atrapalha o seu time (volte ao item 2).
7: Para você se importar com pessoas, você precisa se importar genuinamente com as pessoas. Se você não quer lidar com pessoas, mude de profissão.
Não adianta falar que é “people first” e desistir das pessoas em caso de problemas comuns. Você não será um bom gestor se não estiver disposto a investir tempo em discutir e desenvolver as pessoas. Além disso, software consiste basicamente em automatizar conhecimento humano. Portanto, é fundamental conversar com as pessoas para entender o que elas desejam (por mais difícil que algumas pessoas possam ser). Se você não gosta dessa abordagem, é melhor assumir um papel de Staff e abrir espaço na cadeira de gestão para alguém que realmente se importe com esse aspecto. Um gestor “sem paciência para pessoas” é um gestor que vai gerar vários problemas. A situação hipotética que eu gostaria de propor é a seguinte: o que você sente ao se deparar com a necessidade de dar um feedback para um membro do time que tem mau-hálito? Se sua resposta for qualquer coisa diferente de “ah, mais um dia comum gerenciando pessoas”, repense se realmente quer esse caminho.
8: Em comunicação, existe o emissor e o receptor. Se o receptor não entendeu o que o emissor disse, a responsabilidade de adaptar o discurso e se fazer entender é do emissor. Sempre.
Repita comigo: não existe “dar a entender” como líder. Seja claro, direto e conciso ao comunicar algo. Certifique-se de que a pessoa realmente entendeu o que você quis dizer. Ela não é obrigada a entender uma comunicação inadequada da sua parte, não importa o quão alto o seu cargo seja. Quando você está cansado de dizer a mesma coisa, é ai que as pessoas começam a te entender (Jeff Weiner, daqui).
9: Se você não é parte da solução, provavelmente é parte do problema.
Como líder, você exerce influência sobre diversos comportamentos de uma equipe. Se antes algo não acontecia e agora um determinado problema surgiu, reflita para verificar se não é você que está dando um exemplo equivocado, sem perceber. Comportamento é contagioso.
10: Se um liderado sair do caminho correto, a responsabilidade é sua.
Como líder, é normal cometer vários enganos ao longo do caminho. No entanto, é fundamental evitar atribuir a culpa aos outros, pois essa atitude é algo que jamais deve ser feito. Ao assumir a responsabilidade por suas próprias falhas e decisões, você demonstra integridade e incentiva sua equipe a fazer o mesmo. Essa postura cria um ambiente de confiança e colaboração, no qual todos estão dispostos a enfrentar os desafios juntos, aprender com os erros e trabalhar em conjunto para solucionar os problemas. Minha recomendação é este livro, que me ajudou muito para entender isso.
11: Pressionar alguém é uma anomalia que deve ser combatida.
Serei categórico aqui: quando as pessoas são tratadas como adultas, agem como tal. Quando as expectativas, restrições e importância das tarefas ficam realmente claras e elas têm tudo o que precisam para realizar o trabalho, elas acabam sendo incrivelmente competentes. Pressão é anti-pattern e não deve ser usada como técnica padrão de gestão. Acreditar que todas as pessoas são incompetentes e que precisam ser forçadas a realizar suas atividades diz mais sobre sua inaptidão para gestão do que qualquer outra coisa.
12: Quando alguém te mostrar quem ela é, acredite nela.
Não atribua á maldade ao que pode ser explicado pela estupidez, porém, se alguém demonstrou claramente não possuir ética, acredite nisso desde o primeiro momento e tome alguma atitude. Na segunda vez, você será a vítima. Não importa se é uma pessoa júnior, sênior, de sua área ou não. Caráter não é influenciado pelo gênero, cargo ou classe social.
13: Antes de cobrar alguém de algo, certifique-se que você realmente domine o assunto.
Nada expõe o despreparo de um líder de forma mais ridícula do que a hipocrisia. Se você não sabe algo, admita que não sabe e busque aprender. É melhor do que cobrar de um liderado algo que você mesmo não sabe como fazer. Não exija algo exemplar, SEJA o exemplo, tanto em habilidades técnicas quanto comportamentais.
14: Em tecnologia não existe o certo, mas existe o errado.
Você não vai acertar sempre em decisões técnicas importantes. No entanto, continuar estudando o lado técnico vai auxiliar você a não se tornar apenas mais um gestor de tecnologia tomando decisões equivocadas por falta de conhecimento técnico. E lembre-se: dependendo da senioridade do time que você está liderando, você será a referência técnica (vide o item 2).
15: Incentivos funcionam.
Se uma pessoa é premiada por ser tóxica, outras seguirão o mesmo padrão. Se alguém não é punido por apresentar baixo desempenho, outros também poderão agir da mesma forma. É importante compreender qual a cultura na qual você está sujeito. Lembre-se que 94% dos resultados de um time dependem do sistema. Portanto, gerencie o sistema e não as pessoas.
16: A forma como você reage da primeira vez é o que importa.
Se você acabou de chegar, ouça primeiro e evite tentar mudar tudo imediatamente. Se um colaborador está trazendo um problema difícil de lidar, escute atentamente. Se é a primeira vez que alguém está se abrindo com você, esteja presente e ouça. A maneira como você lida com os problemas na primeira vez irá determinar se você terá uma segunda oportunidade. Isso vale para todas as camadas na hierarquia, seja para cima ou para baixo. Em posições de liderança, a tolerância para erros é mais baixa, infelizmente.
17: É possível trabalhar para si mesmo ao mesmo tempo que você trabalha para o melhor da organização.
O líder egoísta é extremamente prejudicial no mundo corporativo. É perfeitamente possível alcançar resultados positivos ao mesmo tempo que se cuida da própria carreira e auxilia na carreira dos liderados. Se alguém acredita que não é possível ser generoso na posição de líder, essa pessoa possui conceitos equivocados sobre o verdadeiro papel de um líder e provavelmente está agindo com um potencial limitado. Se você pensa assim, repense suas crenças fundamentais sobre liderança, pois outro caminho é possível.
18: Títulos importam.
Quando fui promovido pela primeira vez, percebi que deixara de fazer parte do grupo para me tornar o “chefe”. Para algumas pessoas, as relações de poder influenciam seu comportamento. Não adianta ser executivo e afirmar que as portas estão abertas para conversas, acreditando que todos se sentirão confortáveis em se comunicar contigo. Algumas não o farão e está tudo bem. Em geral, como gestor, as pessoas não compartilharão grande parte de suas questões com você. É um sinal de sucesso quando alguém supera essa questão hierárquica e se abre para o diálogo.
19: Líderes que só sabem lidar com cópias de si mesmos são líderes ruins.
Nunca pense que apenas o seu perfil ou que você é o único competente. Cada perfil possui seu próprio valor. Se você enfrenta dificuldades ao lidar com alguém que é diferente de você, o problema reside na sua inaptidão para lidar com o diferente, não na pessoa por ser diferente. Reconhecer a diversidade e valorizar todos os perfis é essencial para promover um ambiente inclusivo e enriquecedor (vou soar repetitivo, mas, vide o item 2).
20: Parta da premissa que você tem muitos vieses. O objetivo tem que ser identificá-los e minimizar o impacto deles.
Você possui mais pontos cegos do que imagina, especialmente ao avaliar pessoas e estimativas de esforço, principalmente se não tiver conhecimento técnico na área (vide o item 4). Uma prática que eu recomendo para minimizar os vieses é: evite tomar decisões relevantes baseando-se unicamente em sua percepção individual. Em outras palavras, se você perceber algo em alguém que justifique uma demissão ou um feedback mais crítico, busque validar essa percepção com outra pessoa, pois a sua percepção é enviesada. Jamais tome decisões sobre o esforço técnico sem consultar o time, pois a percepção individual de esforço é limitada.
Acima de tudo, nunca assuma que alguém não será capaz de realizar determinado trabalho apenas por causa de seu gênero, classe social ou formação acadêmica diferente da sua, pois a sua própria experiência de vida vai enviesar seu julgamento. Esse modo de pensar anti-viés tem que ser usado em todos os momentos, seja na contratação, promoção, feedback e estimativas. No primeiro momento que você esquece disso, o viés ganhou.
Um gestor desempenha um papel importante, embora não seja algo extraordinário que justifique o glamour que costumam tratar o assunto. No entanto, é possível cometer grandes erros e deixar o cargo afetar a vida das pessoas de forma muito negativa. Para evitar dar mais importância ao cargo do que ele realmente tem, minha sugestão é simples:
Até a próxima!
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