Os principais mitos da área de tecnologia — Parte 1

Adriano Croco
8 min readMar 28, 2022

Olá!

Eu estou um pouco cansado de ver tanta gente de fora da área de tecnologia falando algumas besteiras sobre a área e eu gostaria de comentar um pouco sobre isso.

Para ter mais conteúdo além da crítica padrão ao "saia de um bootcamp ganhando 5k por mês" (que eu irei fazer nesse texto, obviamente), eu saí perguntando para os colegas de profissão o que eles já ouviram por aí que acharam que é mito sobre a área e eu compilei nesse artigo todos os pontos, comentando brevemente sobre cada um deles.

Senta que lá vem a primeira parte dessa história.

Mito 1: Para ser uma pessoa desenvolvedora precisa ter a lógica.

Falso.

Essa frase geralmente é dita por quem tá começando na área e provavelmente não entendeu ainda como pensar de forma lógica e estruturada (o que é pré-requisito para se programar, sem dúvida).

O engraçado é que isso é dito como se a lógica fosse uma entidade sobrenatural que pode não ter escolhido aquela pessoa para abençoar com seus poderes intelectuais.

Calma, gente. O pensamento lógico-matemático não é natural para o ser humano, isso é aprendido através da educação direcionada. Inclusive, o senso de causa e efeito é aprendido na escola, estudando matemática básica. É estatisticamente improvável que uma pessoa nasça com esse dom desenvolvido. Sim, você não leu errado, até saber que jogar lixo na rua vai causar enchentes ou votar em políticos sabiamente corruptos é um senso que se aprende estudando matemática. Recomendo muito o podcast Naruhodo para entender melhor esses processos cognitivos de uma maneira geral.

Então, se esse pensamento é algo que pode ser praticado, pode ser dominado. Portanto, se você está tendo dificuldades com isso, não desista!

E se não acredita em mim, vou citar esse artigo:

O conhecimento lógico-matemático não é inato, mais construído por meio do contato social, visto que tal conhecimento só passa a ser adquirido por volta dos cinco anos, nesta fase já é capaz de julgar espaço e perceber fronteiras, portanto o número é alguma coisa que cada ser humano constrói através da criação e coordenação de relações, em conseqüência disto, os professores devem promover atividades que possibilitem trabalhar a construção e o desenvolvimento destas habilidades encorajando o pensamento ativo, estimulando a fazer relações até os sete ou oito anos, para só então estender o pensamento levando-a a compreender conceitos de adicionar, subtrair, dividir e multiplicar num contexto mais amplo da matemática.

Senão é inato, você pode aprender, mesmo depois de adulto. Persista!

Mito 2: Para programar precisa ser um gênio da matemática!

Falso.

Eu tenho 12 anos de experiência com tecnologia. Eu já trabalhei no mercado financeiro e mesmo assim, não precisei usar nada muito avançado de matemática além de regra de três e juros compostos.

Eu não me considero bom nessa área, inclusive.

O uso de matemática mais pesada só é necessário em alguns nichos muito específicos, como computação gráfica ou em algumas áreas dentro do mercado financeiro. Fora isso, dá para crescer na carreira sem dominar isso de forma profunda.

Para se tornar alguém com conhecimento profundo em computação, no entanto, ai sim é necessário estudar sobre matemática para entender melhor algumas técnicas (como linguagens funcionais, estruturas de dados probabilísticas e matrizes para processamento de imagens). Mas ainda sim, é matemática de graduação superior! Pode requerer um pouco mais de esforço, mas não é impossível.

Como testemunho empírico, acho que vale mencionar o seguinte: eu faço aulas particulares de matemática já faz algum tempo. Isso serviu para fazer eu perceber que eu tinha medo de matemática porque nunca tinha visto coisas básicas durante minha formação (consequências de se cursar ensino público no Brasil). Após revisar esses fundamentos com calma, minha compreensão geral do que é matemática melhorou bastante e eu perdi o medo. E não ter medo é um super-poder.

Fica ai a sugestão se você quer melhorar nesse ponto (e nem foi algo tão caro, fica a dica).

Mito 3: Programar é coisa de Nerd.

Falso.

Já conheci pessoas programadoras que lutavam, pedalavam ou escalavam. Mas também, pessoas extrovertidas e introvertidas. Pessoas honestas e mentirosas. Que se alegravam pelo sucesso alheio e invejosas.

Enfim, gente de tudo que é tipo. Esse estereótipo vem das representações caricatas na cultura pop de profissionais de computação que preenchem o imaginário popular, mas não refletem a realidade.

Portanto, não é porque você viu um ou dois nerds que programavam que todos são assim. Isso é um viés cognitivo chamado viés de confirmação.

Mito 4: Tecnologia não é coisa de mulher.

Falso.

Certa vez, uma amiga minha me forneceu a seguinte evidência empírica: Na década de 80, mais de 50% dos estudantes no cursos de ciência da computação que ela fez eram mulheres. Eu achei esse artigo aqui que corrobora com isso também. O número começou a cair da década de 90 em diante.

A verdadeira causa da falta de mulheres é um problema complexo multi-facetado, que envolve discriminação, assédios, falta de incentivos e questões culturais, mais detalhes aqui.

Como gestor, eu só digo uma coisa: o gênero não influencia em nada na competência de alguém, portanto, eu sou adepto do: lugar de mulher é onde ela quiser.

Felizmente, eu vejo um aumento de mulheres desenvolvedoras (embora lento) e espero que essa discussão simplesmente se torne desnecessária o mais rápido possível.

Mito 5: Tecnologia paga bem!

Verdadeiro.

Vamos colocar as coisas em perspectiva:

Pirâmide de renda das famílias no Brasil

Qualquer vaga de programação, por mais iniciante que seja, ao menos te coloca no top 18% da população brasileira. Além disso, salários do top 1% também são possíveis.

Nesse caso, cabe uma ressalva: para salários acima de R$ 10.000,00 por mês envolve algumas variáveis: como o porte da empresa, onde ela está localizada (empresas de São Paulo pagam mais que outros estados, por exemplo), o nível de Senioridade da pessoa em uma determinada tecnologia e escassez daquele conhecimento no mercado.

Não vou dar pitaco se o seu salário está competitivo ou não (se você atua como pessoa desenvolvedora) nem quanto tempo vai demorar para você ganhar x ou y (se você está querendo entrar na área).

Porém, eu preciso dizer uma coisa: não venha para a tecnologia somente pelo dinheiro. Se você não gosta de computação, de estudar quase todos os dias ou não está disposto a tolerar algumas dinâmicas comuns da área (como a sensação de estar desatualizado(a) o tempo todo), você não irá conseguir superar alguns obstáculos comuns da carreira sem se machucar no processo.

Como toda profissão, quem gosta do que faz é melhor (e por consequência, tem salários maiores) do que quem não gosta. O problema do profissional frustado não é o oficio em si, é a pessoa que tá na área errada.

Eu não quero deixar brecha para algum tipo de Gatekeeping, então serei explícito: a tecnologia é para todo mundo sim! Porém, nem todo mundo será feliz trabalhando com tecnologia. Assim como nem todo mundo nasceu para ser feliz sendo médico, engenheiro ou advogado, embora todos possam querer atuar nessas profissões.

Mito 6: Não é necessário curso superior para ser uma pessoa desenvolvedora.

Verdadeiro.

É possível trabalhar programando sem ter faculdade. Até recentemente era um empecilho para vagas internacionais ou empresas mais tradicionais, mas pela minha percepção, estou vendo isso diminuir também.

A escassez de profissionais está muito grande e nem isso estão pedindo mais.

Se você tem planos de atuar na área sem faculdade, eu te aconselho a estudar sobre estruturas de dados, análise de algoritmos e demais fundamentos da computação para que você consiga neutralizar a falta de base teórica do curso superior. Pode não parecer, mas faz diferença no longo prazo.

Mito 7: É possível obter salários de R$ 5000,00 por mês ao concluir um curso de 6 meses.

Falso.

O estagiário melhor remunerado que eu já vi em toda a minha carreira foi de R$ 3000,00, porém, a vaga exigia inglês fluente e faculdade de ponta.

Sem experiência prévia como pessoa desenvolvedora, esse salário é impossível. Com pouco tempo de experiência, pode até ser possível, dado algumas condições, como: proficiência em inglês, projetos relevantes no qual trabalhou (o que para quem tá começando é pura sorte cair em algum projeto relevante) e se a vaga é PJ, por exemplo.

Sempre que ouvir um discurso assim, pense: o que a pessoa que profere essas palavras tem a ganhar falando isso?

Geralmente, é só alguém querendo te vender curso com um marketing irrealista mesmo.

Resumindo: um salário desses é possível com pouco tempo de experiência, mas com 6 meses, não.

Mito 8: É possível ser Sênior com 2 anos de experiência.

Falso.

Isso é por causa do efeito Dunning-Kruger, que é muito bem abordado aqui. De quebra, dá uma lida nesse e nesse artigos também, pode ser útil como reality check.

Aqui eu faço um desafio: se depois de consumir essas recomendações você ainda acha que é sênior com 2 anos de experiência, eu truco.

Me manda uma mensagem no Linkedin, eu me proponho a te entrevistar com uma régua de uma pessoa Sênior de mercado. Se você passar nessa entrevista, eu me comprometo publicamente a recomendar o seu perfil para todas as pessoas que eu conheço como uma pessoa excepcional.

Mito 9: É possível trabalhar em áreas correlatas (seja dados, quality assurance ou infra), sem saber programar.

Falso.

Você não precisa ser expert em uma linguagem de programação para conseguir atuar em alguma dessas áreas. Porém, para dados você vai precisar de SQL e Python para fazer qualquer coisa, em QA para conseguir uma remuneração melhor vai precisar saber testes automatizados (Java para Selenium, Javascript para Cypress ou Go para K6) e para infra, vai precisar de no mínimo ShellScript para conseguir automatizar tarefas de administração de servidores Linux ou saber mexer com Terraform (que possui sintaxe própria).

Ou seja, tudo é código, de um jeito ou de outro.

Mito 10: Transformações digitais funcionam.

Aqui tenho duas respostas: a minha e a dos dados.

Eu já passei por 3 transformações dessa natureza: em um grande banco, em uma fintech de médio porte e em uma empresa do agronegócio. Em todas elas, o problema sempre foi o mesmo: cultura.

Não era problema de dinheiro, de capacitação dos profissionais ou falta de alguma feature de uma ferramenta específica que invalidasse tudo. Sempre era resistência de pessoas específicas em abrir mão do controle.

Portanto, na minha opinião: transformação digital não funciona, pois depende de dois motivos: algumas pessoas se darem conta que elas são o problema e mudarem a forma de agir (o que nunca ocorre) ou de simplesmente rolar uma troca de executivos, para forçar uma mudança top-down. Mesmo nesse caso de troca de C-Level, ainda sobram algumas pessoas com o jeito de pensar anterior, o que basicamente impede o processo de acontecer sem grandes atritos.

Quanto ao estatística, dados da consultoria Mckinsey indica que 70% das transformações digitais falham.

Ao olharmos friamente os dados, ainda sobra 30% das empresas que conseguem. Aparentemente eu dei azar, estatisticamente falando.

Agora eu paro por aqui para não deixar esse texto muito grande, mas…

Porque tem bastante mitos para abordar em outros textos ainda.

Até!

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