O que podemos aprender com pensamento sistêmico?

Adriano Croco
7 min readSep 27, 2022

Olá!

Existe uma habilidade que é muito importante para todo e qualquer profissional, porém, é ainda mais importante para profissionais de tecnologia e pessoas que trabalham com algum tipo de produto digital: Pensamento Sistêmico.

Hoje eu gostaria de abordar esse assunto de uma forma um pouco mais aprofundada que o de costume.

Para começar, vamos com a definição da Wikipedia:

O pensamento sistêmico é uma forma de abordagem da realidade que surgiu no século XX, em contraposição ao pensamento “reducionista-mecanicista” herdado dos filósofos da Revolução Científica do século XVII, como Descartes, Francis Bacon e Newton. O pensamento sistêmico não nega a racionalidade científica, mas acredita que ela não oferece parâmetros suficientes para o desenvolvimento humano e para descrição do universo material, e por isso deve ser desenvolvida conjuntamente com a subjetividade das artes e das diversas tradições espirituais. Isto se deve à limitação do método científico e da análise quando aplicadas nos estudos de física subatômica (onde se encontram as forças que compõem todo o universo), biologia, medicina e ciências humanas. É visto como componente do paradigma emergente, que tem como representantes cientistas, pesquisadores, filósofos e intelectuais de vários campos. O pensamento sistêmico inclui a interdisciplinaridade.

O que dá para extrair daí é: Que o pensamento sistêmico é um contra-ponto a um determinado pensamento anterior que era visto na época como limitado, além de ter uma opinião que visa enxergar o todo para entender o universo. Além disso, não exclui a interdisciplinariedade no entendimento dos fenômenos. Desde o meu primeiro texto aqui no Medium eu comento sobre a importância disso: É a conexão entre diversos conhecimentos que nos tornam profissionais melhores.

Trazendo para uma abordagem mais prática, é possível inferir a partir dessa definição que em última instância, é possível enxergar qualquer fenômeno como um sistema, que possui suas partes que interagem entre si de inúmeras maneiras. Além disso, o todo é maior que a soma de suas partes. Esse mecanismo de descrever a realidade serve para várias áreas.

Vamos a alguns exemplos.

Na Economia, existe o conceito de tragédia dos comuns, na qual o egoísmo de poucos ao explorar um recurso natural prejudica um sistema inteiro. Em um exemplo atual, seria o uso irrestrito de queimadas na Amazônia para expandir latifúndios. Para o desenvolvimento econômico de curto prazo pode até fazer sentido, mas custando o equilíbrio climático de uma região inteira (o que pode girar resultados ruins inclusive para o próprio latifúndio no médio/longo prazo).

Na Política, podemos ver isso quando o legislativo cria uma nova lei que gera um impacto positivo em um determinado setor e prejudica muito o todo. Exemplo: A isenção fiscal para jatinhos e helicópteros. A menos que o setor beneficiado retorne aquela isenção de outra forma (na forma de criação de empregos e similares), o todo (os cofres da união), deixaram de arrecadar valores que poderiam ser usados para diversos fins mais úteis, como educação, segurança pública e saúde.

Eu não vou entrar no mérito da eficiência da alocação dos recursos ou corrupção, e sim, somente ilustrar o mecanismo de arrecadação.

Com a definição posta, nada melhor do que ir na base da administração para entender esse assunto melhor. Para tal, recomendo o seguinte livro, do professor do MIT Peter Senge:

Capa de A Quinta Disciplina de Peter Senge

O livro é um pouco extenso e recomendo que você o leia se quiser se aprofundar no assunto, principalmente se você está tentando descobrir como inovar, usando de técnicas já documentadas na literatura ao invés de improvisar.

Vamos começar a análise das ideias da obra pela seguinte premissa: Boa parte dos problemas que acontecem nas empresas se dão pela forma como as pessoas pensam (ou seja, pelos modelos mentais dos envolvidos), que, rodando isoladas essas ideias parecem fazer sentido, mas quando elas rodam em conjunto com outras, ocorrem fenômenos não intuitivos, para dizer o mínimo (isso quando as dinâmicas geradas não parecem simplesmente imprevisíveis).

O exemplo mencionado no texto original é de um exercício que reproduz as dinâmicas de mercado entre um dono de um bar, uma distribuidora de bebidas e uma fábrica de cerveja. Resumindo, o que é descrito no livro é: Como é possível que uma fábrica de bebidas fique ociosa a partir de um aumento de demanda por cervejas por parte do dono do bar? Afinal, se há mais demanda, deveria ocorrer um aumento na produção, certo? Então, porque isso ocorreu?

O detalhamento desse exercício está na obra original, mas resumindo, os problemas ocorrem pelos seguintes mecanismos: Cada ator nesse exercício é um silo que não quer saber o que está acontecendo com o outro silo e continuam interagindo com o sistema normalmente, mas gerando vários problemas no processo. Qualquer semelhança com empresas não é mera coincidência.

Quando você não tem a visão do todo, é capaz de fazer tudo certo no seu silo e ainda assim sair tudo errado.

E qual a solução para tudo isso então? As cinco disciplinas. Vou comentar brevemente sobre cada uma delas.

A primeira disciplina, é o Domínio Pessoal. Ou seja, é um ação constante de tentar enxergar a realidade com mais clareza. A partir da visão de aonde a empresa quer chegar e onde ela está agora, abre espaço para um conceito chamado de Tensão Criativa, que é justamente essa diferença que é o espaço em que você, caso queira gerar mudanças e inovação, pode atuar. Por coincidência, esse conceito de propósito claro e forte como motivador de equipes também é mencionado no livro Organizações Exponenciais.

A segunda disciplina, se refere aos Modelos Mentais. Que nada mais são do que a forma como as pessoas enxergam o mundo. Elas moldam atitudes e são veículos do conhecimento nas empresas (afinal, você provavelmente entendeu algo sobre o sistema que usa ou sobre a sua área com algum desenho que sintetizou os mecanismos em atuação, certo?). O grande aprendizado aqui é: Duas pessoas com modelos mentais diferentes podem dar explicações diferentes para um mesmo fenômeno. E isso pode ser libertador e limitante ao mesmo tempo. Há vários arquétipos de modelos documentados na obra como a própria Tragédia dos Comuns já mencionada, bem como Consertos que Estragam (sim, é o famoso quick fix que toda pessoa desenvolvedora já fez) e Sucesso para Bem-Sucedidos (situação no qual o um time bem sucedido ganha mais recursos que outro time, que está lutando por algo semelhante e não consegue justamente pela falta de recursos). Existem mais alguns arquétipos, mas recomendo que você vá na fonte original se quiser se aprofundar.

A terceira disciplina é a Visão Compartilhada. Na obra são mencionados alguns exemplos de pessoas que enxergavam a visão da empresa como próprias. O que gera uma espécie de super-poder na hora de gerar mudanças. Recomendo fortemente entender melhor essa parte se você pretende ser ou é gestor(a) de pessoas atualmente.

A quarta é a Aprendizagem em Equipe. Através do diálogo e no uso correto de discussões sobre os problemas reais, é possível expor incoerências sobre os pensamentos das pessoas envolvidas e chegar a uma conclusão útil para resolver problemas, a partir da visão coletiva. Ao expor suas ideias para o grupo, através da discussão, o entendimento do grupo melhora, o que torna o grupo, menos errado. Aqui eu gostaria de comentar uma experiência que tive. Em uma empresa que trabalhei existia uma prática que era incentivada pelo CEO de falar sobre os problemas difíceis de forma clara e objetiva, sem punir as pessoas por discutir esses pontos. Funcionava muito bem! Era explícito que a empresa resolvia os problemas e evoluía de forma acelerada, apesar de não concordar com algumas outras práticas em se tratando de pessoas, essa especificamente eu achava muito efetiva.

Por fim, temos o já falado Pensamento Sistêmico, que agrupa as disciplinas anteriores de uma forma coesa e que pode ser resumido na seguinte imagem:

Resumo das ideias do livro

Para finalizar, gostaria de fornecer algumas dicas práticas agora.

Antes de atuar em algum problema, tente identificar as relações entre os envolvidos e como sua atuação irá afetá-los. Exemplo: Ao corrigir um bug, cuidado para não mexer em alguma parte do sistema que pode quebrar outra. A responsabilidade de prever isso é sua. Óbvio que não é possível prever tudo, mas devemos ao menos tentar. Todos os sistemas são interconectados!

Se você é gestor, tente ao máximo juntar as pessoas em prol de uma causa que tenha impacto positivo no todo. Se você somente priorizar resultados de curto prazo, você só irá obter ganhos no seu silo e que irão prejudicar o restante do sistema (muitas vezes, a saúde dos funcionários e o meio-ambiente). E não se engane: Isso vai acontecer com você, você não é especial. Ninguém está imune a consequência dos próprios atos.

Como cidadão brasileiro, pense no que suas ações na vida coletiva podem gerar de impacto, por exemplo: Aquele lixo jogado no chão pode prejudicar o sistema de escoamento de água das chuvas (além de ser um mau exemplo para uma criança que esteja passando). Aquele imposto sonegado pode fazer falta na hora de comprar Dipirona para o posto de saúde do seu bairro. Aquela falta de fiscalização do seu representante na câmara pode gerar um sistema de incentivos em que ele(a) se sente no direito de tornar o bem público privado (o que acarreta em corrupção e similares), dado que ninguém se importa em saber o que ele(a) está fazendo com o dinheiro público.

Portanto, a mensagem final é: Nenhuma pessoa é isolada do sistema que vive e cada pequena ação gera um impacto no sistema, por mais que você ache que não. Seja responsável e tentemos ser melhores!

Obrigado por ter me lido até aqui e até a próxima!

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