O que é a dívida humana nas empresas?
Olá!
No texto de hoje eu gostaria de abordar um assunto que é muito negligenciado por vários líderes e que pode ser responsável por um impacto significativo da taxa de sucesso de qualquer iniciativa de gestão de times.
Em tecnologia, usamos o termo dívida técnica quando queremos nos referir à um cuidado com a engenharia de software que foi negligenciado de forma intencional para atender à algum outro requisito no momento em que o software era escrito. Geralmente, é um sacrifício de qualidade na confecção do sistema para ceder a uma pressão externa por redução no tempo de desenvolvimento.
Eu já comentei um pouco sobre essas armadilhas tão comuns na carreira de uma pessoa desenvolvedora nesse artigo.
E se usássemos a mesma abordagem de "reconhecimento de negligências" ao falar de dívida técnica, mas, para pessoas? Usando até o mesmo termo com leves adaptações?
Pois bem, que tal falarmos sobre dívida humana?
Segundo palavras da autora original do termo — Duena Blomstrom — , temos em tradução livre a definição que encontrei nesse artigo aqui:
Dívida Humana é o equivalente à dívida técnica, porém, para pessoas. Todas as iniciativas, projetos e intenções que nós (a organização) precisávamos fazer pelo bem de nossos colaboradores, mas, abandonamos. Todas as oportunidades perdidas de fazer a vida e o trabalho deles mais fácil e alegre. Todo o papo da boca pra fora sobre igualdade, respeito, ausência de julgamentos, coragem e confiança. Toda a falta de foco em empoderar os times e liderança servidora. Toda a ausência de preocupação ou recursos para melhorar as dinâmicas de trabalho. Toda a cultura tóxica advinda disso. Isso é a Dívida Humana.
Eu só faria um único ajuste nessa definição: troque "a organização" por "gestores". Empresas são compostas de pessoas. CNPJs não causam problemas por si só, são os CPFs que a gerem que causam esses problemas e que devem ser responsabilizados.
O que não me surpreendeu muito foram as causas dessas dívidas humanas. É possível encontrar causas tanto por parte corporativa quanto por parte individual. Advindas da empresa, as ações que geram essa dívida são:
- Liderança ruim
- Muito papo e pouca ação dos executivos
- Dinâmicas de trabalho abusivas (ex: hackathon na sexta após o horário de trabalho ou de fim de semana).
- Comando e controle
- Discurso de "somos ágeis" sem mudar a forma de pensar
- Cultura de medo e punição
Porém, as ações que mais me surpreenderam foram as que podemos fazer com pares e demais membros de outros times que também fazem essa dívida aumentar. Portanto, a mensagem que fica aqui é: é impossível que a omissão leve a algo positivo e não é somente responsabilidade da gestão resolver tudo. Como exemplo dessas ações, temos:
- Não se expressar com medo de ser julgado
- Ao ver uma tensão entre membros do time se acumular, não resolver o conflito.
- Omissão perante injustiças
- Não falar sobre o "elefante na sala"
- Cancelar ou não se engajar em ações de team building
- Não discutir sobre os erros e aprender com eles
- Evitar reuniões 1:1
- Falta de valorização e entendimento de inteligência emocional
- Culpar o gestor
Acho importante frisar esse último ponto: em times saudáveis, é possível neutralizar os efeitos da dívida humana que são causados pela empresa, caso o time tome a responsabilidade para si e tenha construído laços de confiança fortes. É um argumento que eu também já encontrei no livro "os 5 desafios das equipes", que resume os problemas dos times na imagem abaixo e que tem como causa principal — e que deriva todos os outros problemas — a falta de confiança entre os membros de um time:
Para pagar essa dívida a solução é simples: segurança psicológica. Que nada mais é que um indicador do quanto a equipe se sente segura ao se expressar, interagir, aprender e pertencer àquele grupo:
Para ilustrar de uma forma um pouco melhor, a matriz abaixo explica a percepção que temos ao cruzar o nível de segurança psicológica com o de prestação de contas / responsabilização de um determinado ambiente:
Ou seja, se o ambiente não é seguro e "CRIME OCORRE NADA ACONTECE FEIJOADA", temos apatia. Eu chamaria de percepção que o crime compensa, na verdade. Pois, do que adianta tentar fazer o certo se quem é errado não é punido? Vou até forçar a mão no argumento aqui: ouso dizer que boa parte da população brasileira tem essa percepção do próprio país e desiste de tentar fazer melhor justamente por causa disso.
Se o ambiente é seguro e não tem prestação de contas, temos o senso comum sobre repartições públicas: porque vou me esforçar para fazer melhor sendo que não sou responsabilizado por baixa performance? Nesse caso, ocorre um sistema de incentivos que premia a mediocridade. E existe uma máxima em Economia que diz: incentivos funcionam.
Se temos um alto grau de prestação de contas e baixa segurança, temos: tenho que fazer isso senão serei demitido ou humilhado, nem que tenha trabalhar 14 horas por dia. Mercado financeiro… sim ou com certeza?
E por fim, o Santo Graal dos ambientes de trabalho (ou das dinâmicas de qualquer grupo, melhor dizendo): juntando ambas, temos o solo fértil para talentos prosperarem. Pois é possível se sentir desafiado e seguro ao mesmo tempo. Se você está em um lugar assim, minha recomendação é que use desse ambiente para se desenvolver como pessoa e profissional o máximo que conseguir.
E que ações práticas podemos fazer para melhorar os índices de segurança psicológica? Para líderes, são:
- Demonstre vulnerabilidade, você não é uma pessoa perfeita que sabe tudo;
- Traga dados! As pesquisas mostram que um ambiente seguro reduz turnover e burnouts. Além de aumentar a criatividade e a produtividade, pois pessoas felizes produzem mais;
- Gestão de pessoas também é trabalho, portanto, não fuja do seu time se sobrecarregando de reuniões;
- Aja de forma consistente e deliberada para gerar um ambiente seguro;
- Não espere a ordem "vir de cima" para cuidar do seu time;
- É uma obrigação da gestão fornecer um ambiente seguro se quer que as pessoas trabalhem melhor.
Para reforçar esse ponto sobre a responsabilidade do gestor, gostaria de deixar a imagem abaixo, advindo de uma pesquisa sobre o impacto do estilo de liderança nos índices de segurança psicológica da consultoria McKinsey:
Bom, mais uma evidência que o comando e controle típico de líderes autoritários e do tipo que colocam as pessoas em situações de "afundar ou nadar"… não dá muitos resultados em tornar o ambiente seguro. Ou, em termos mais simples se achou a imagem confusa: autoritários atrapalham mais que todos os outros estilos, simples assim.
Engraçado que eu comecei esse texto querendo falar da comédia corporativa e terminei chegando a conclusão enquanto escrevia que talvez tenha chegado a uma boa diretriz de comportamento para a vida. Pois, para melhorar a dívida humana das empresas, já vale a seguinte sabedoria antiga, dessa vez, na voz de Maya Angelou:
Até!
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