Memento mori como o antídoto para a síndrome do semideus

Adriano Croco
4 min readMar 7, 2021

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Olá!

Uma simples ideia me veio a cabeça em um dia qualquer: se eu morresse agora, batalhei as batalhas corretas?

Por associação, eu me lembrei de um conceito que não me recordo de onde aprendi que veio do fundo das minhas memórias: memento mori.

A expressão vem do Latim, tem origem medieval e possui três traduções semelhantes, no qual a que eu gosto mais é “lembre-se que és mortal”.

Além da frase, existe todo um aparato estético e artístico em torno de caveiras e foices que nos fazem lembrar da única certeza da nossa existência: vamos todos morrer em algum momento.

Então se você curte estética de caveira, será que veio dai?

Eu gosto dessa ideia porque ela é flexível, por incrível que pareça. Eu posso usá-la para justificar uma vida de privações para uma eventual glória eterna no pós-vida (abordagem cristã).

Podemos também ter uma abordagem mais prática, dado que a morte é algo inevitável, logo é algo que precisa ser entendido, elaborado e trabalhado (essa abordagem vem do estoicismo, escola de pensamento filosófico no qual me identifico bastante).

E por fim, uma ideia contemplativa da fragilidade da vida, que é possível encontrar nas tradições japonesas, como o Zen Budismo e sua relação com a cultura Samurai. Afinal, imagine ser um guerreiro em uma tradição feudal que viveu 120 anos em guerra… você de fato poderia morrer a qualquer momento. Não acredita? Mais detalhes aqui.

Mas, vamos parar por um segundo e pensar no que isso — você pode morrer a qualquer momento —realmente implica.

Se você morresse agora, o que aconteceria depois? Como estaria sua vida? Seu relacionamento? Seu pet? As finanças da sua família? Sua carreira? Seu legado? E talvez mais importante: que impacto você gerou ao seu redor?

Eu digo ao redor porque não é muito realista achar que todo mundo vai ser famoso a nível mundial, então, consideremos sua própria rede de pessoas próximas e sua comunidade mesmo.

“Nossa, como você é mórbido, não gosto de pensar sobre isso, eu sou jovem ainda, nunca irei morrer”, talvez algum leitor desse texto possa pensar.

Ok, você pode pensar o que quiser, mas negação não resolve nada: não diminui o aquecimento global, não faz chifre diminuir de tamanho e nem faz o coronavírus ir embora. Da última vez que eu olhei, a realidade ainda tinha precedência sobre nossas crenças.

Com isso dito e aproveitando o tom filosófico, vamos falar sobre semideuses, também conhecido como aqueles profissionais insuportáveis.

Aqui vale um disclaimer: meu background é de tecnologia, mas acredito que os exemplos possuem semelhança em várias áreas diferentes que valorizam hard skills de alguma forma, como medicina ou o meio acadêmico.

O semideus é aquele tipo de pessoa que tem o seguinte comportamento: não importa o conhecimento técnico necessário, a pessoa parece possuir. Devido a isso, ela não só acha, mas tem certeza que é superior a todos vocês. Aqui entra vários problemas, como: arrogância, apego a ideia de que se eu sei e você não, eu sou melhor, falta de leitura da situação… e também o famoso efeito Drunning-Kruger que já abordei aqui anteriormente.

Um exemplo real: em diversas situações, eu já vi profissionais técnicos rirem de uma pessoa não técnica porque ela não sabe o que é um determinado termo técnico. Até o Chaves já ensinou por suas piadas que o “olha lá que burro dá zero para ele” faz você parecer o ridículo no final das contas, porque não é possível saber tudo sobre tudo, não é mesmo? Portanto, não ria do amiguinho.

Só para reforçar: ninguém é obrigado a saber o que você sabe, portanto, a responsabilidade de explicar algo para alguém é sempre do emissor da mensagem. Não sou eu que estou dizendo, é a teoria da comunicação.

Desça do salto, oh semideus!

Eu juro, se eu achasse um gênio da lâmpada, eu pediria três coisas: não engordar comendo doce, ganhar dinheiro sem precisar trabalhar e eliminar o senso tribal e primitivo que o ser humano tem ao hierarquizar pessoas baseado em coisas banais, como saber mais, local de residência, cor da pele ou gênero.

Pensa só, além disso me fazer rico e magro, eliminaria vários dos problemas do mundo.

Mas enfim, divago.

Eu costumo enxergar a humanidade e seus comportamentos como uma cadeia infinita de eventos que operam na lógica de ação e reação.

E qual é a ironia aqui? A ação baseada em superioridade por parte do semideus gera uma reação de rejeição na maioria das pessoas, ao invés da reação de submissão ou admiração desejada, que gera mais ações negativas e assim por diante.

Ou seja, por mais que você ache que é melhor que os outros, no fundo te torna isolado dos demais, dado que as pessoas tendem a alienar o semideus. Pensando em termos sociais e pragmáticos: qual a lógica de ser o “melhor do grupo” sem um grupo?

Então, lembre-se, você vai morrer e eu também vou, portanto, é realmente tão necessário ter um apego tão grande a esbanjar superioridade? O que você vai levar para a próxima etapa do ciclo da vida além de nada?

Portanto, na próxima vez que for gastar energia de forma exacerbada em “momentos pavão”, lembre-se:

Vanitas de Philippe de Champaigne (c. 1671)

Até.

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