Como convencer pessoas de mudanças tecnológicas?
Olá!
Um desafio muito comum para pessoas desenvolvedoras é a dificuldade em comunicar o impacto positivo de algumas mudanças tecnológicas de uma forma que faça sentido para as pessoas, sejam técnicas ou não.
No texto de hoje, eu gostaria de comentar um pouco sobre este assunto e propor algumas dicas práticas de como fazer isso de uma forma mais adequada.
Teoria da comunicação
Em qualquer tipo de tentativa de se passar uma ideia para outra pessoa, temos alguns elementos fundamentais, como o emissor, o meio, o ruído, a mensagem e o receptor.
A grande sacada do estudo estruturado desse assunto é a seguinte máxima: se o receptor não entendeu a mensagem, a responsabilidade de se fazer entender é do emissor.
Ou seja, se alguém não entendeu o que você disse, a responsabilidade é sua.
Portanto, se você revira os olhos quando alguém não entendeu o que você disse e acha que aquela pessoa é burra ou algo similar, na verdade, é você que não se comunicou apropriadamente, por mais que você ache que não.
Isso já é algo importante se você é um(a) contribuidor(a) individual e quer crescer na carreira. Se você atua com gestão de pessoas, espero que você tenha internalizado isso, pois esse ponto é fundamental para atuar com gestão de forma efetiva.
O que me leva ao próximo ponto: se você não está conseguindo se fazer entender, o que pode ser feito para que você consiga fazer as pessoas comprarem suas ideias?
Primeiro: identifique a persona
Vou usar alguns arquétipos para fins didáticos nesse ponto. Obviamente que pessoas reais são muito mais complexas que reduções rasas propostas por alguém que escreve na internet. Porém, se você está partindo do zero no assunto e não sabe muito bem com quem e nem como falar, talvez uma espécie de estrutura te ajude a agir de forma mais assertiva.
Para tal, vou usar os arquétipos propostos no livro Driving Technical Change de Terrence Ryan. Esse livro mudou minha carreira, literalmente. Os termos são de tradução livre, pois infelizmente esse livro não existe em português. Como o livro é antigo (2010), dá para achar o pdf em algum lugar ai se você quiser.
Vamos aos tipos:
Manada (The Herd): em toda organização de pessoas, existem algumas que estão distraídas quando você tá falando, podem estar com outras preocupações ou simplesmente, não se importam o suficiente sequer para falar não para o que você está propondo. Existe um percentual grande de pessoas assim em todas as empresas. Para esse perfil, você não precisa convencê-las, você precisa apenas convencer quem elas obedecem, que elas seguirão a diretiva da vez. Ex: um conjunto de Juniores em uma mudança de processo vinda de algum nível de gestão. Na maioria dos casos, essa persona irá abraçar a mudança sem grandes questionamentos.
Desinformado (The Uninformed): como o próprio nome diz, esse arquétipo não aceita novas ideias porque ele simplesmente não sabe que elas existem. Ao comunicar de forma estruturada e de forma clara o que de fato você quer passar e os benefícios associados, geralmente, eles são convencidos. Ex: um desenvolvedor senior que trabalha com legado ou com um conjunto específico de tooling mais antigo. Ao mostrar ferramentas/libs novas que são melhores, esse perfil tende a adotar automaticamente a mudança assim que fica sabendo que aquilo existe.
Ocupado (The Time Crunched): com esse perfil, o desafio está em conseguir tempo de agenda para sequer conseguir falar com ele. Quando você finalmente conseguir, evite ao máximo ser prolixo e seja direto ao ponto. Se a pessoa tiver dúvidas, ela vai te dizer (caso contrário, enquadre-a no arquétipo de manada). Ex: alguns analistas seniores, staffs e alguns gestores que só estão ocupados demais, mas que não são contrários a mudanças.
Esses foram os perfis fáceis de lidar. Agora vamos aos que dão algum trabalho.
Cínico (The Cynic): esse perfil é aquele que geralmente demonstra alguma resistência sem razão aparente. Pode ser por estar há muito tempo na mesma cadeira e não querer mudar, pode ser medo (mais detalhes sobre isso no próximo tipo) ou simplesmente ele não gosta de você mesmo. Se você conseguir identificar qual é a razão da resistência, ótimo. Talvez você até consiga desarmá-lo e transformá-lo em um aliado. Porém, não importa o que aconteça, não discuta com essa pessoa em público, isso desgasta a importância da sua mudança e mina sua energia sem necessidade. Ex: Um senior acomodado que não quer sair do Java para Go e vai encontrar inúmeros motivos para complicar a mudança, pois tem medo de aprender algo novo.
Traumatizado (The Burned): nesse caso, a pessoa teve algum problema ou situação desagradável com a tecnologia em questão e criou opiniões fortes e contrárias ao que você está tentando comunicar. Pode ser uma pessoa que já trabalhou com um determinado banco de dados, processo ou lib e não foi legal. Isso pode acarretar em alguém que deliberadamente vai querer sabotar a solução ou uma resistência considerável ao novo.
Nesse caso, a sugestão é tentar encontrar qual o motivo da resistência (no privado), entender, praticar alteridade e tentar persuadir a pessoa a dar uma segunda chance, levando em consideração seus medos e a situação atual, que pode ser bem mais propícia para o sucesso que a anterior. Ex: uma pessoa que teve más experiências com Oracle no passado e agora a empresa está migrando de Postgres para Oracle em 2025. Eu sei que é um exemplo que dá calafrios e soa errado, mas o intuito desse texto é te empoderar para gerar mudanças e convencer as pessoas, seja ela qual for. Se ainda sim o exemplo te incomodou, dá uma olhada no príncipio de Disagree and Commit, talvez te ajude a lidar com situações assim.
Irracional (The Irrational): esse perfil é aquela pessoa que te pede uma coisa e quando você entrega, diz que pediu outra. Que inventa regras e acordos que nunca existiram. Que ao solicitar algo, você grava o requisitado, entrega o que ela pediu e quando confrontada, ela destrói o gravador na sua frente e diz: faz o que eu estou mandando agora, não me importa o que eu pedi antes (história real). Pelo bem da sua saúde mental, só há uma coisa a se fazer com esse perfil: fuja.
O máximo esperado que você consegue fazer com esse tipo de pessoa é fazer um skip-level, mas, com riscos muito grandes se você não tiver um patrocínio muito forte por trás da mudança pretendida, correndo o risco de criar um inimigo que é meio maluco. Portanto, tente ir por outro caminho, gerando massa crítica comprada com a mudança e deixando essa pessoa isolada na resistência dela, por exemplo. O único problema é quando se tem uma persona assim como gestor, ai a solução é trocar de chefe mesmo.
O próximo perfil merece uma sessão só para ele.
Chefe (The Boss)
Geralmente, para alcançar alguns cargos de gestão e alta liderança, envolve mudar a forma de pensar. Ao invés de focar somente no seu trabalho diário, é necessário pensar em termos de tempo, custo e demais variáveis financeiras envolvidas ao tomar decisões no ambiente de trabalho. Esse tipo de perfil, aprendeu a fazer isso muito bem.
Devido a isso, boa parte das tentativas de comunicação de pessoas desenvolvedoras (e até mesmo, de alguns líderes técnicos em alguns casos), falham devido a não falarem dinheiro.
Explico.
Argumentos como: vamos implementar testes porque irão melhorar a qualidade ou robustez, implementar microserviços para distribuir os times e demais argumentos puramente técnicos são simplesmente inutéis com perfis assim.
Ao tentar aplicar uma mudança tecnológica, tenha na ponta da língua quanto aquilo irá custar. Se você não sabe, vamos a alguns pontos simples para se ter uma ideia de como se obter esses números.
Licenças: contabilize os custos por pessoa/máquina e tente estimar o quanto aquilo custa em um determinado período. Se a mudança que você está tentando fazer irá substituir uma ferramenta paga, o resultado esperado em grana é a economia da licença.
Software caseiro: considere os custos de desenvolvimento em termos de tempo. Ou seja, estime o custo por hora de cada pessoa envolvida no projeto (salário / 168 horas mensais) e depois multiplique pelo tempo decorrido.
Processos: igual o anterior. Meça quanto tempo uma pessoa gasta com um processo ruim e transforme em uma estimativa, baseada no custo do salário * tempo.
Lembrando que a sua mudança tem que trazer um retorno positivo considerando o custo da situação atual vs a situação após a mudança. O termo usado para isso é retorno sobre o investimento (ROI). Se durante o processo de análise você chegou a conclusão que a sua mudança não traz retornos positivos, tudo bem, basta mudar a abordagem e ir por outro caminho. Qualquer outra postura além dessa é ser irracional (não dá para ganhar com pessoas irracionais, lembra?) e te coloca em uma posição anti-organização, o que é danoso. Mais detalhes do motivo aqui.
Sem usar esse tipo de vocabulário com esse perfil, dificilmente você conseguirá convencê-lo(a) a patrocinar ou engajar em alguma mudança tecnológica de fato (ou até mesmo, em qualquer outra mudança).
Lembre-se: pessoas de fora da área técnica e executivos são muito sensíveis a esse tipo de argumento financeiro. Sem isso, é praticamente impossível convencê-los.
Espero que o texto seja útil para você de alguma forma.
Até!
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