Algumas dicas práticas para manter a saúde mental trabalhando com tecnologia

Adriano Croco
7 min readSep 13, 2022

Olá!

Hoje eu gostaria de abordar um assunto que me foi pedido de diversas formas diferentes pelo meu canal de sugestões, disponível aqui se você também quiser contribuir com pautas.

Eu vou citar integralmente as formas como as perguntas foram feitas para mim, para manter a honestidade intelectual da coisa toda.

A primeira pergunta foi:

Capitalismo ou Burnout? Saúde mental do profissional de tecnologia.

A outra, meio que complementar a essa (e talvez um pouco mais pessoal), foi:

Como lidar com a preocupação atuando como desenvolvedor / TI, sem que isso afete nossa vida pessoal (manter equilíbrios). Desde que iniciei carreira na área, não sinto-me a vontade nas coisas simples da vida. Um simples passeio, viagens, acabam se tornando fantasmas, me fazendo pensar nas entregas que precisamos fazer, cronogramas, ou mesmo nos estudos que precisamos correr atrás. Vemos com frequência pessoas na nossa área tomando antidepressivos ou muitos remédios de ansiedade. Seria esse um sintoma que sempre teremos atuando na área?

Se você quiser um abordagem quantitativa do assunto, eu já abordei esse assunto através de uma pesquisa no Linkedin. Foi uma forma que eu encontrei de provar com dados que a saúde mental dos profissionais de tecnologia precisa de atenção de forma urgente. A pesquisa original está disponível aqui. Através dos aprendizados desse material, eu formei minha opinião sobre o uso da pressão como ferramenta de gestão. E hoje eu tenho convicção que pressão é uma prática danosa. O racional desse argumento encontra-se aqui.

Com esses dois textos eu poderia dar essa resposta como concluída, dado que as conclusões foram: sim, os profissionais de tecnologia estão doentes e a origem do desconforto é da pressão exercida pelos chefes. Porém, eu gostaria de abordar essas questões novamente, com o meu entendimento atual.

Vamos colocar a situação de um profissional médio de tecnologia em perspectiva: Você acorda, pode ou não se deslocar para o trabalho fisicamente, trabalha por no mínimo 8 horas e tenta se desligar do trabalho após esse horário de alguma forma (isso se não tem que gastar um tempo considerável voltando para casa, seja de carro ou de transporte público). Caso sua empresa tenha uma cultura que não respeita seu tempo, você ainda gasta mais algumas horas tentando simplesmente parar de trabalhar ou executando tarefas a noite.

Além disso, você usa redes sociais. Nesses ambientes, todas as mensagens que você recebe nas redes são de pessoas mostrando suas melhores faces ao invés de demonstrar algum tipo de vulnerabilidade. Ao procurar por referências da sua área, você enxerga apenas uma parte do que essa pessoa mostra na internet e não sabe de fato o que está acontecendo com a vida dela, gerando uma percepção de que todo mundo está bem e/ou sabe o que está fazendo com as suas vidas e carreiras, menos você.

Ao procurar um material para estudar para tentar evoluir como profissional, você entra em uma paralisia por análise devido ao excesso de opções disponíveis na web e fica nesse ciclo, sem sair do lugar. Além de todo o desgaste que é simplesmente ir trabalhar, estudar e tentar evoluir também se torna um fardo.

Se você ainda tem que lidar com algum ambiente familiar desfavorável de alguma forma (seja pais doentes ou abusivos), cônjuges que mais atrapalham do que ajudam, filhos ou se está com problemas em um ou mais relacionamentos amorosos, é mais um motivo de preocupação.

Se você pertence a um grupo historicamente oprimido na tecnologia e na sociedade em geral (como mulheres, pessoas pretas ou LGBTQIA+), eu não tenho dúvidas que você — além de lidar com tudo que eu já falei — ainda provavelmente é menosprezada(o) por alguém que não tem as mesmas dificuldades e competências que você, seja na forma de mansplaining, assédio, racismo ou até mesmo alguma ameaça de violência física em algum momento da sua semana. Se você não pertence a esses grupos, você nunca irá entender o que essas pessoas passam. Para tal, recomendo dar uma olhada nesse texto aqui, que explica porque a empatia não resolve tudo. Inclusive, o texto mencionado é duas vezes mais importante para quem está tentando ser gestor(a) de pessoas.

Agora, dada essas premissas, vou tentar elaborar alguma resposta minimamente razoável para essas questões.

A resposta curta para a primeira pergunta é: O nosso sistema econômico possui algumas contradições inerentes que geram diversos problemas que afetam nosso senso de satisfação com a vida de uma forma que parece que não há saída. A frase que resume esse sentimento se dá pela seguinte forma: É mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo. Esse fenômeno recebe o nome de Realismo Capitalista. Recomendo fortemente a referência. O sistema nos faz nos sentirmos culpados por ter depressão.

A ideia capitalista basicamente é: Você é uma máquina que tem que produzir o tempo todo. Caso você esteja doente ou seja pobre, a culpa de você não progredir é sua. Logo, não importa os problemas estruturais, pois a culpa é sua e somente sua.

Todos nós atuamos nessa engrenagem, seja trabalhador do conhecimento ou operacional

A solução para esses problemas estruturais está em repensar novos sistemas econômicos, que irão gerar novas relações de trabalho e consequentemente uma nova sociedade. Além disso, não é possível resolver um problema estrutural com atitudes individuais. Portanto, eu afirmo: Respira, que o problema é o sistema. Não se cobre tanto para performar de uma forma extraordinária. Por mais que você ainda seja extraordinário(a), você ainda não se sentirá satisfeito. Pois a lógica de acumulação e crescimento sem limite ainda se manterá presente. E ela não causa satisfação, pois ela não foi pensada para deixar as pessoas satisfeitas. Ela faz o que foi pensada para: Concentração de riqueza.

Porém, repensar a sociedade não é minha área principal de estudo e eu não gosto de dar pitaco em áreas que eu não tenho uma base muito sólida. Devido a isso, eu gostaria de propor uma abordagem prática, aderente as regras do jogo da forma como ele é jogado hoje, através de recomendações advindas do meu próprio aprendizado:

A sua percepção da empresa é como o seu gestor se comporta. Portanto, chefe ruim = empresa ruim. Se o seu chefe é fonte de sofrimento, troque de chefe, sem hesitar.

Não aceite trabalho em tecnologia que não seja home-office. Enquanto houver deficit de profissionais de tecnologia, a vantagem na negociação está do lado do(a) trabalhador(a).

Procure uma forma de estudo que funcione para você. Não sei quem precisa ouvir isso, mas: Não existe forma correta de estudar. A correta é a que funciona para você.

Além de um punhado de fundamentos, eu não acredito que exista um conjunto muito grande de assuntos que você precisa realmente dominar. Portanto, deixe sua curiosidade te guiar e estude o que te agrada e não se importe muito com o que estão dizendo por aí. Fique atento(a) as tendências, mas não as siga cegamente.

Uma ferramenta que ajuda muito é ter foco. Primeiro, descubra o que você quer realmente fazer. Depois, ficará mais fácil decidir onde gastar energia e decidir se o seu atual trabalho está aderente ao que você quer para sua vida.

Existe hype em tecnologia toda semana. Uma das formas de reduzir o FOMO é saber ter foco no que realmente é importante para os seus objetivos. Se a nova moda não está aderente ao que você quer, siga em frente sem se sentir mal por não saber aquilo.

A única forma que você como pessoa desenvolvedora tem de lutar contra o capitalismo é se organizar. Sem a força de trabalho de quem desenvolve, não existe empresa que pare em pé. Portanto, converse com outros profissionais de área e discuta salário e demais benefícios. Manter o salário das pessoas ocultos beneficia somente a empresa e reproduz desigualdades.

Por fim, saiba que descansar é necessário. Não existe produtividade no descanso e tá tudo bem. Essa lógica de produtividade a todo custo é mais uma forma que o capitalismo encontrou para extrair o máximo de retorno financeiro de cada vida humana. Rebele-se e descanse sem culpas! Eu não acredito que eu estou escrevendo que descansar é um ato de rebeldia, mas, hoje em dia, infelizmente é sim.

Acima de tudo isso, a melhor forma de lidar com tudo isso é sabendo muito bem quem você é. Aqui, use qualquer método de auto conhecimento que você quiser. Novamente: o que funcionar para você é o que vale. Saiba identificar quais são seus principais problemas. A vida nada mais é do que tentar encontrar uma forma de como lidar melhor com si mesmo e tentar sofrer menos no processo. Minha única dica aqui é: Procure profissionais confiáveis e métodos com alguma validade cientifica. Evite a todo custo métodos milagrosos ou que tenham quântico no nome.

As vezes ajuda colocar as coisas em perspectiva: As vezes você pode achar que quando você for rico(a) sua vida irá melhorar ou algo similar. O nosso sistema de cartas marcadas não foi pensado para que todo mundo consiga chegar lá. Apenas 1% talvez chegue. E muito provável, nem eu nem você seremos esse 1%. Portanto, vale mais a pena lutar para que todos tenham dignidade garantida do que pela possibilidade de alguns poucos terem privilégios.

Se você chegou até aqui, espero ter ajudo e obrigado pela leitura.

Até o próximo texto!

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